Acordei com um barulho que vinha da janela. O fim do ano estava chegando, e eu poderia considerar-me uma vencedora por ter sobrevivido mais um. Ainda deitada, olhei para debaixo da cama. Não havia ninguém. Pela janela – que não parava de ser atacada por pedras – o sol brilhava forte. Seria um dia estupidamente quente, o que eu odiava.
Levantei da cama com a maior preguiça do mundo. 'Já vai, Jonas', pensei. Olhando para o chão, abri a janela pesada. Quando meu olhar fitou o atirador de pedras, sorri instantaneamente. Ben estava com um punhado de pedrinhas em sua mão esquerda, e com uma única na mão direita, pronta para ser arremessada. A sua camisa listrada brilhava contra o sol, e o boné vermelho estava de volta.
– Romeu e Julieta demais. – falei para ele.
– Eu sei que você gosta.
Eu admito que sentia falta da voz dele.
– Cinco minutos. – pedi para ele.
Corri para me arrumar. Coloquei a primeira roupa que vi pela frente e penteei os cabelos com força e rapidez. Era preciso tocá-lo para perceber que ele estava de volta mesmo. Saí de casa ainda correndo. Ao chegar perto da árvore grande, parei, olhando-o.
Finta jogou na grama as pedras que ainda restavam em sua mão. Ele aproximou-se de mim e abraçou-me. Rezei para que Jonas não estivesse por ali naquele momento, seria mais difícil ainda.
– Quem disse que você podia fugir? Te odeio.
Ben sorriu.
Ficamos conversando enquanto jogávamos um pouco de basquete. Roubei a bola do garoto e arremessei contra a cesta. Acertei.
– Uh, você é boa. – ele disse.
– Ok, está na hora de algumas perguntas.
Ele parou de jogar.
– Eu sabia que você perguntaria. Pode começar.
Pensei um pouco, escolhendo qual deveria ser a primeira.
– Hm, o que aconteceu naquela noite?
Antes que ele pudesse responder, mandei outra:
– Para onde você foi? O que você ficou fazendo todo esse tempo? – não parei de olhá-lo. – O que eu devo pensar sobre você ou suas atitudes? Somos amigos, certo?
– Ei, ei! – ele interrompeu-me.
– Perguntas demais?
Ele balançou a cabeça.
– Precisarei de um tempo para pensar em todas as minhas respostas. Quem sabe você não aparece lá em casa esta noite para um jantar.
Demorei algum tempo para responder.
– Acho que não irei me sentir confortável na frente de seus pais. Sua mãe não gosta muito de mim, tenho quase certeza.
– Eles não estarão.
Foi a vez de Ben arremessar a bola na cesta, e é óbvio que ele acertou.
Eu não sabia o que responder. Quer dizer, muitas coisas haviam acontecido e nossa situação já estava difícil. Agora ele estava me convidando para um jantar a dois em sua casa? E se ele tentasse beijar-me outra vez? Eu teria que saber a opinião de Jonas a respeito. Mas, por outro lado, seria bom que acontecesse. Eu poderia deixar claro para meu amigo todos os meus sentimentos.
– Talvez eu apareça.
– Hm, se você aparecer poderá provar a minha comida.
– Ah, quer dizer que você cozinha, chef Ben? – brinquei. – Eu não sabia que você tinha esse dom.
Arremessei a bola outra vez.
– E eu não sabia que você era jogadora de basquete, Sophia.
Nós dois rimos. Corpos quentes, aquecidos pelo sol.
♦
Fechei o zíper da grande mala. Estava cheia. Gus estava sentado em cima para que eu conseguisse fechá-la.
– Você já pode sair agora, pequeno. Obrigada.
Ele deitou na cama de nossos pais, do lado da mala.
Greg entrou no quarto.
– Acho que está tudo pronto.
Olhei para ele com tristeza nos olhos.
– Por que está todo mundo me deixando? Primeiro Virgínia, agora você... – desabafei.
O quatro dedos encarou-me, depois olhou para Gus.
– Gustavo, será que você pode dar comida para o cachorro? Ele me contou que gosta quando você faz isso.
– Não precisa fingir que o cachorro falou com você. Conversa de gente grande, eu entendo vocês dois. – o pequeno falou e saiu do quarto.
Ri de leve, mas ainda sentia-me triste.
Meu padrasto sentou-se ao meu lado, passando a mão pelos meus cabelos.
– Eu preciso. Mas será algo rápido.
– Quanto tempo? – perguntei.
– Até firmarmos negócio.
– Viagens de trabalho são chatas. – avisei.
– Eu sei. Por isso quero voltar logo. E tentarei ao máximo fazer isso, prometo.
– Será difícil sem você.
– Deixarei meu escudo para que você se proteja da chefe do bando. – disse.
– Por que você gosta dela? Quer dizer... Como?
– Se eu soubesse explicar eu te contaria com toda a certeza. Ela sabe ser legal de vez em quando. Não acontece muito, mas...
– Tudo faz parte da sua bipolaridade. Ela só é legal quando está com vontade de ser legal. Isso não acontece muito.
– Acho que o problema é meu, então. Sabe, por gostar de pessoas bipolares.
Ele riu.
Eu precisava contar. Não agüentava mais guardar aquilo só para mim. E não, eu não falaria de garotos para o meu padrasto.
– Ontem eu fui visitar meu pai.
Ele olhou-me nos olhos.
– Hm, isso é bom.
– Greg... – balbuciei. – Papai tinha um celular no bolso.
Ele ficou imóvel.
– Um celular? Você tem certeza?
– Bom, o bolso dele estava vibrando. Eu tenho certeza, é.
– E alguém percebeu? Eu digo, os guardas.
– Não. Eu dei um jeito de sair de lá logo, não queria que pensassem que eu havia levado um celular para ele, apesar de me revistarem demais a cada vez que entro naquele presídio. Eu não sei como ele conseguiu aquilo. E para que?
Ele ficou mudo. O silêncio dizia tudo.
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O Menino debaixo da minha cama
Teen FictionSophia é uma garota de dezesseis anos comum, diferentemente de seus problemas. Sua irmã está grávida do namorado motoqueiro, o bebê que a sua mãe teve durante o segundo casamento a faz acordar todas as noites, e o irmão caçula... Bem, ele é o caçula...