Ajoelhei-me e tentei tocá-lo. Não foi possível, ele não estava ali. Não o seu corpo. O menino era um espírito, definitivamente. Os meus olhos incrédulos o analisavam.
– Sophia, você está bem? – perguntou a minha melhor amiga.
Devia ser patético para ela. Quer dizer, me ver ali ajoelhada, tocando o nada.
– Você está aqui ainda... – falei devagar, ainda olhando o garotinho.
Dessa vez era ele quem olhava-me com estranheza. Pus-me de pé e comecei a andar em direção a saída do cemitério. Virgínia veio atrás de mim, e com toda a certeza ela não estava entendendo nada. Ao atingir os grandes portais, uma pessoa pulou em minha frente. Ele já me era conhecido, mas eu nunca imaginaria encontrá-lo novamente. As suas cores em demasia ainda permaneciam cobrindo o seu corpo. A barba, o colete, o relógio no pulso. Aquela mão enfaixada foi levantada, e então o dedo sangrando apontou para mim.
– Ora, ora, veja se você não está de volta! – ele exclamou.
A princípio eu não saberia o que ele estaria fazendo ali, e seria apenas uma coincidência tê-lo revisto. Mas agora era tão claro. Eu sabia quem ele era de verdade.
– Pontual... – falei com certo receio.
Ele deu a sua gargalhada que eu certamente não sentia falta. Por trás de mim, uma mão tocou em meu ombro. Gritei muito alto, provavelmente acordando todos os mortos – aqueles que ainda não estavam de pé -, e virei para trás. A face de minha melhor amiga já havia ganho umas pinceladas de medo.
– Sophia, você está me assustando...
Os meus olhos estavam indiferentes, a minha boca calada. Fitei o nada, e então voltei a dar alguns passos. Saí do cemitério, observando que Pontual havia sumido. Caminhando no meio da rua, tentei organizar os pensamentos. Alguns carros que ali passaram buzinaram por diversas vezes, alertando-me caso eu não quisesse ser atropelada. A certa altura do trajeto – Virgínia ainda me seguia, chamando meu nome inutilmente – ele voltou.
– Menininha! – a sua voz assustou-me.
Parei, encarando-o.
– O que você quer?
Ele fechou a boca antes aberta. Os seus olhos arregalaram-se. O dedo sangrento voltou a ser apontado.
– Você precisa ajudar a todos nós, é o seu dever! – ele falava de um jeito estranho, sempre parecendo exclamar. O jeito que um palhaço faria.
– Nós?
O relógio em seu pulso levantado balançava.
– Agora que você entendeu tudo, eles estão voltando...
A sua imagem desapareceu de minha frente. Virgínia puxou a minha mão de súbito, assustando-me mais uma vez. Ela não fez pergunta alguma, apenas olhou-me como se quisesse dizer 'ok-Sophia-será-que-você-pode-me-explicar-o-que-diabos-está-acontecendo-?'. Nem eu sabia explicar.
– Preciso fazer uma coisa. – a minha voz estava agitada. – Obrigada por ter vindo comigo. – dei alguns passos para trás rapidamente, ainda olhando em seus olhos. – A gente... A gente se vê depois.
Corri o máximo que pude. Mais do que nunca. Contornei alguns carros parados no sinal. Ultrapassei-os quando voltaram a andar. Quase derrubei pessoas enquanto equilibrava-me para não cair em plena rua. Eu ia em direção a algo que não estava tão longe assim, mas antes mesmo de chegar ao meu destino, outra imagem foi jogada em frente a mim. Não parei, apenas corri observando-a.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Menino debaixo da minha cama
Teen FictionSophia é uma garota de dezesseis anos comum, diferentemente de seus problemas. Sua irmã está grávida do namorado motoqueiro, o bebê que a sua mãe teve durante o segundo casamento a faz acordar todas as noites, e o irmão caçula... Bem, ele é o caçula...