Capítulo 77

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Encorajei Sara para que ela tentasse mais uma vez. As caixas de madeira empilhadas não me passavam segurança alguma, mas era a nossa única opção. Segurei as suas pernas bambas, enquanto ela agarrava-se em uma das vigas do telhado baixo. As telhas soltas seriam a passagem para a sua fuga.

Nós havíamos combinado tudo: Correr. Contar. Chamar. Os três C's. A mãe de Jonas sairia daquele casebre e não olharia para trás, independente do que acontecesse. Nós duas sabíamos que isso custaria não só a sua vida, mas a minha também. Porém, não continuaríamos sem tentar. Já havíamos tido muita sorte em estarmos sozinhas até então.

– Lembre-se: Ao encontrar uma pessoa, chame a polícia.

– Entendi.

Ela estava pendurada no teto, na pior das posições. Sara empurrou levemente uma das telhas, tirando-a do lugar. As suas mãos apoiaram-se do lado de fora, e o seu corpo desapareceu. Não tive tempo de desejar boa sorte, então apenas pedi em silêncio para que ela conseguisse. Aqueles homens eram burros demais ao pensar que nós duas nunca conseguiríamos sair dali. Estava mais fácil do que eu poderia imaginar.

Corri até a janela com tábuas, olhando a pequena visão que eu tinha do campo. Apenas a cor verde e a marrom me eram dadas de presente. A grama e a estrada. Vazias, silenciosas.

Esperei algum tempo. Eu poderia fugir atrás dela, mas seria estupidez arriscar algo que poderia não dar certo. Se os homens estivessem do lado de fora, matariam Sara sem pensar duas vezes. Então, enquanto entrassem na casa, eu fugiria pelo mesmo lugar que ela havia saído. Pensamos nisso – e em todas as outras alternativas – antes de colocar o nosso plano em prática. Havia decisões para cada uma delas. A jovem mãe de meu namorado morto alegou não aguentar ficar mais nenhum segundo naquele lugar impiedoso. Não pude reclamar quando ela disse que preferia tentar fugir primeiro.

Os meus olhos fixos na grama ainda esperavam por algum movimento, e no fim ele acabou acontecendo. Lá estava a mulher, correndo pelo campo, com as suas vestes esfarrapadas. Ela tinha ganhado um pouco de sorte, enfim.


Já eu, estava menos afortunada do que nunca. Assim que vi a minha parceira em fuga, um barulho veio da porta grande de ferro. Virei-me com pressa, fitando as correntes que balançavam. Eu estava definitivamente acabada.

O meu primeiro pensamento rápido me disse para fugir dali, mas o segundo mandou-me ficar. Sentia que o primeiro era o correto, mas como sempre escolhia o contrário, não o segui. Corri até o lugar que havia acordado horas antes, agarrando os pedaços de pano do chão. Amarrei-os em meus pulsos, e antes de prendê-los de algum jeito junto à parede, fitei o tanque sujo. Havia uma ideia nova, então a pus em prática.

Depois, voltei para o meu lugar. Sentei e fiz a minha melhor cara de cansada-fraca-exausta, tentando convencer. A porta amarelada enfim foi aberta, e os meus olhos cerrados com força não permitiram que eu visualizasse Julian ou Torttón.

Os meus ouvidos foram realmente úteis. Pude escutar os lentos passos que vinham em minha direção. A minha audição dizia que apenas uma pessoa aproximava-se de mim. Quando percebi – ainda de olhos fechados – que o homem havia parado em frente a mim, voltei a enxergar. Fingi estar acordando pela primeira vez, e isso incluiu uma abertura devagar de olhar, seguida de um pouco de baba proposital que saía por minha boca entreaberta.

Olhei para o sujeito. Era Julian. Deixei a minha cabeça girar um pouco, parecendo estar confusa. Ele riu levemente, agachado em frente a mim.

– Onde estou? – perguntei com calma, parecendo uma retardada.

– Bem-vinda, Sophia. – disse. – Espero que aproveite a estadia. Será curta, então aproveite cada segundo.

Continuei a encenar.

– Sabe, se dependesse de mim, você já estaria eliminada agora. Mas eu recebo ordens, e preciso cumpri-las. É uma pena.

Levantei um pouco a cabeça pela primeira vez. O meu cabelo bagunçado ajudou em meu teatro.

– Quem é você? – perguntei.

Ele soltou mais uma risada.

– Não se faça de desentendida, pois você me conhece muito bem. Você e sua amiguinha ali. – ele apontou para trás de si. – Aliás, você não reparou que tem uma companheira, não é mesmo? Você está aí, toda amarrada... Que judiaria.

Ele segurou em meu queixo, sorrindo. Olhei para baixo, evitando encará-lo. Nesse momento, um erro: O meu braço – esticado para cima – moveu-se um pouco, denunciando minhas falsas amarras. O homem olhou para o pano que me prendia à parede, e então parou de sorrir. Fechei os olhos, sabendo que aquela seria a hora de minha ideia planejada. O homem virou o pescoço, olhando para a janela que dava acesso à sala em que Sara costumava ficar aprisionada. A falta de tábuas de madeira que a cobria deixou claro para ele que eu já havia conhecido sim a minha companheira.

Quando o cara virou o rosto, ele pôde enxergar-me segurando um cano de metal (o da torneira do tanque). E desta vez quem sorria era eu.

– Ei, Julian. – era hora de cumprimentá-lo.

Acertei-o em cheio.

Dei mais umas três coronhadas. Sabe, só para ter a certeza de que ele dormiria por algum tempo. Pus-me de pé, observando aquele corpo caído em minha frente. Precisei certificar-me de que ele ainda respirava, pois não queria matar ninguém. Depois, deixei o local. A porta de ferro estava aberta, o que deu passagem para um longo corredor. Se fosse preciso comparar, eu diria que aquilo parecia um presídio abandonado, mas era apenas um casebre mesmo.

Várias portas aguardavam-me, e uma havia de ser escolhida. Aproximei-me da primeira, abrindo-a lentamente. Não havia ninguém ali dentro. O mesmo aconteceu na segunda e terceira. As salas eram todas iguais: Vazias e sujas. Ao chegar à quarta, porém, uma surpresa: Ele estava lá.

Fitei o pai de Jonas que dormia em mais uma cama decadente. Permaneci estática, esperando algum tempo. Ele não mexeu-se nem um pouco, então dei um passo para frente, aproximando-me dele. O cheiro era inconfundível, e eu não precisaria nem ter visto para ter certeza: Ele estava morto. O sangue em seu peito aberto já estava um pouco seco, vermelho escuro como vinho.

Fiquei desorientada por alguns segundos. Tive vontade de vomitar, quis gritar. Não pude fazer nada disso, então apenas lembrei de que precisava encontrar uma saída rapidamente. Era a minha chance. A imagem de Sara escapando ocupou a minha mente, então decidi imita-la. Eu certamente precisaria do dobro de cuidado e de tentativas, mas não havia tempo para pensar se eu falharia ou não.

Deixei aquela sala, não preocupando-me em fechar a porta. De volta ao corredor, olhei para o fim do mesmo, encarando a porta amarela de ferro que dava acesso ao meu antigo cativeiro. Julian estava parado em pé, olhando para mim.

O Menino debaixo da minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora