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A chuva fraca molhava seu corpo. Ela estava ofegante. Cansada, tão cansada daquilo. — Dos pensamentos que assustavam seus dias, dos demônios que a visitavam sem hora para ir embora. Dos sentimentos que todos os dias rasgavam mais um pedaço do seu coração, as feridas nas coxas, os pequenos cortes evidenciavam a dor que ela tentara, com sucesso, esconder. Aquele era o fim. O tão aguardado fim. Era sua escolha final, desta vez não tinha como voltar atrás. Não tinha como se arrepender.

Seu celular estava desligado. Jogado em algum canto do seu pequeno apartamento e esquecido como ela. Como a garota sem nome que andava sem medo, sem receio pela rodovia movimentada. O plano era simples, até parecia fácil. Se tudo ocorresse como planejado ela não sentiria dor, não veria sua vida passar diante dos seus olhos como as pessoas falavam. Ela já estava ansiosa. Sabia que quando fizesse a dor iria parar. A angústia deixaria de existir assim como ela.

Ela esperou o chuvisco se intensificar, a escuridão já tomava conta de tudo e em companhia da chuva aquilo viraria um verdadeiro inferno. Ninguém a veria, ninguém iria saber quem ela era. Provavelmente pensariam que era apenas mais uma pessoa com desgosto pela vida e com atração pela morte. O que de fato era. A garota era sozinha no mundo. Sua mãe a deixara a muito tempo. Seu pai pouco ligava para sua existência, sua única amiga tinha coisas mais importantes as quais se preocupar, ela seria apenas mais um problema jogado fora. Descartado.

Poucos minutos depois as gotas se tornaram mais fortes. Ela sorriu. Já não havia tanto veículos na estrada, o primeiro que aparecesse ela iria. Era isso. Por fim tudo iria acabar, cessar por completo. Os faróis emergiram da escuridão. Ela se preparou, acalmou sua respiração, suas batidas cardíacas exaltadas. Suplicava para que apenas ela saísse morta do acidente. Somente ela.

E então ela foi. Correu pela rua, o sentimento era bom. Pela primeira vez a jovem se sentia livre. Nada assolava sua mente nem seu coração. Não havia emoção. Não havia medo, receio e nem remorso. A garota órfã, a menina sem nome se jogou na frente do veículo que vinha em alta velocidade pela estrada lisa e com ausência de luz. Ela estava feliz, isso importava. Ela morreria feliz sem ninguém saber. Fechou seus olhos. Inspirou profundamente uma última vez, a onda de oxigênio invadiu seu corpo. Uma última vez ela permitiria aquela sensação aos seus pulmões. A sensação do ar fresco a invadindo.

Ele estava horrorizado. Odiava dirigir sob a chuva, principalmente numa rodovia com tão pouca luminosidade. Ele tentava ser cuidadoso no volante, medindo sua velocidade. Um carro passou por ele, extremamente rápido. Ele xingou em voz baixa, desviou o olhar para calçada o suficiente para ver uma pessoa, uma garota correr para a rua. Seus olhos se arregalaram. Previu o que iria acontecer. A cena horrível que iria se formar. O mais chocante foi ver o sorriso dela. Os braços abertos abraçando a morte. O grito morreu na sua boca. Ele viu tudo. Presenciou a visão mais horrível da sua vida. Ouviu o estrondo do impacto, aquilo o marcaria para sempre. Freiou bruscamente. Silêncio. Ele estava imóvel no seu lugar. Inerte, paralisado no banco do motorista. Relembrou do sorriso dela, da despedida obscura que a garota fez antes de se jogar contra o carro. Ele desceu, correu para ver a cena, ver se podia fazer algo, ver se podia ajudar algum sobrevivente. Sabia que se houvesse algum não seria ela.

Correu até o carro. Os veículos atrás dele logo pararam também. Ele a viu. O sangue escorrendo pelo seu corpo. Seu corpo agonizando. Seus olhos olhando para o nada. Após ver que já ligavam para a ambulância ele foi até ela. Seu coração se apertou. Ela era jovem. Era bela. Ela olhou para ele, um pequeno vestígio de vida naquele olhar. Um pedido silencioso por socorro.

Não pensou duas vezes antes de se aproximar mais. Ele poderia fazer alguma coisa por ela, mesmo que ela não vivesse pelo menos estaria bem consigo mesmo por lembrar que tentara fazer algo. Aqueles olhos assustados focaram nele. Seu sangue cobria parte do seu rosto. Ele queria chorar.

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