Gael
Já tinha passado das nove horas. Eu ia chegar atrasado mais uma vez. A culpa era minha, sempre foi assim nesse escritório - eu tinha horário para entrar mas não tinha para sair, apenas uma ordem do meu chefe e eu passaria horas e horas sentado nessa cadeira com os olhos vidrados na tela do computador. Meus dedos doiam de tanto digitar ou de carimbar infinitos documentos.
O tic tac do velho relógio já não me incomodava mais, era apenas esse som que me lembrava todos os dias quando as horas e minutos passavam e o quanto eu estava mais perto de vê-la no fim do dia. Porque era assim que as coisas eram ultimamente, minhas madrugadas se resumiam na sala daquele hospital em frente ao quarto dela apenas esperando o momento certo para falar com ela. Eu estava ansioso por isso, ansioso por poder ouvir sua voz ou vê-la de perto, não apenas através da janela.
Eu sabia que ela estava bem, já estava conversando e se alimentando, ainda com alimentos leves. Mary me atualizava todos os dias do seu estado e o seu progresso após as cirurgias. Eu nunca tinha sido ousado, ainda, de perguntar pessoalmente como ela se sentia. Ela não me conhecia, seria estranho eu simplesmente chegar e perguntar, não que o fato de eu dormir todos os dias lá não fosse.
Segundo a enfermeira, Emerie já sabia da minha existência e que eu dormia no antigo e desgastado sofá. Também perguntava sobre mim, mas as respostas sempre eram vagas, nada concreto, não que houvesse algo para dizer. A única coisa que Emerie não sabia era que fui eu quem esteve com ela quando ela achou que estava morrendo, que a acompanhou enquanto ela sangrava incessantemente. Eu ainda tinha pesadelos com aquele noite, as vezes eu podia ouvir o som da batida ou os gritos de dor dela. Podia ver seus olhos arregalados e apavorados ou seus lábios entreabertos deixando o sangue escorrer da sua boca, talvez por causa desses sonhos que eu ainda não tenha sido corajoso em ir falar com ela, saber em primeira mão como ela estava, talvez até perguntar o que a levou agir tão drasticamente e decidir que sua vida não valia nada.
- Gael? - Meu chefe chamou, ergui meu rosto sobre a tela do computador. - Seu dia já acabou rapaz, pode ir embora.
Respirei de alívio. Eu estava exausto, cansado tanto fisicamente quanto psicologicamente. Só de lembrar que o metrô me aguardava, meu corpo já reclamava. Pelo menos estaria vazio por ser tão tarde da noite. Respirei mais uma vez me preparando, possivelmente ela já estava dormindo esse horário, ela sempre estava. Esse era só mais um dos motivos de eu nunca ter falado com ela.
Antes de sair peguei o envelope e o pequeno embrulho que estava sobre a minha mesa de trabalho. Sorri pensando se ela gostaria do meu presente, Mary me avisou com antecedência sobre seu aniversário, além de me cobrar mais uma vez sobre o mesmo assunto de sempre. "Você tem que falar com ela Gael, ela está te esperando" a enfermaria repetia. Todos os dias.
Sentei no banco do metrô vazio, não completamente já que algumas pessoas também estavam no mesmo vagão. Meu celular vibrou no meu bolso, olhei o número que brilhava na tela. Ignorei, eu não estava disposto a atender a pessoa que ligava.
Meia-hora depois eu estava andando silenciosamente pelos corredores do hospital. Alguns enfermeiros ignoravam minha presença por me verem todos os dias, outros abriam sorrisos maliciosos sabendo o motivo de eu estar aqui. Sabendo que havia uma garota me esperando no quarto.
Mary me encontrou no mesmo lugar, ela abriu um sorriso doce mas de braços cruzados numa postura de mãe.
- Ela já dormiu. - Avisou num tom de voz baixo. Assenti engolindo em seco.
- A surpresa deu certo?
- Sim, pela alegria no rosto dela acho que ela gostou. - A enfermeira me analisou. - Mas ela ficou meio triste, você sabe Gael, acho que ela esperava por mais alguém.
- E-eu... ahm... - Desviei meu olhar para a janela, levando a mão no bolso. - Eu trouxe um presente.
Tirei o pacote e a carta do bolso entregando para ela. Evitei seu olhar de advertência quando ela pegou o presente.
- Entregue isso para ela, mas não diga que fui eu Mary. - Avisei com a voz afetada, a enfermeira riu.
- Menino bobo, como se ela não fosse esperta para saber que foi você. - Respirei fundo decepcionado. - Eu não preciso te dizer, mas você sabe que ela está te esperando, não sabe Gael?
- Eu sei.
Mary mexeu a cabeça negando sozinha, mas guardou o presente. Eu estava me sentando no sofá, procurando o lado confortável para se deitar.
- Até amanhã Gael. - Ela se despediu antes de ir em direção aos outros setores.
Deitei de cabeça para cima, observando o teto. Pensando nas questões pendentes que eu tinha que resolver o quanto antes, uma delas era a pessoa que me ligava todos os dias e eu ignorava. Pensar nela era uma das últimas coisas que eu faria, por ora apenas a garota adormecida do outro lado me importava. Fechei os olhos.
O som de passos apressados me despertou. Acordei de súbito, olhei o horário no celualar, era quatro horas da manhã. Lembrei o motivo de eu ter acordado e levantei abruptamente, a porta do quarto dela estava aberta. Fui até lá e ela não estava na cama, tentei não ficar desesperado. Quem sabe ela tinha ido até o banheiro.
Ela não estava no banheiro. Chamei seu nome pela porta, Emerie não respondeu. Repeti e nada. Então vi o vulto escuro atrás das enormes portas no fim do corredor. Se isso fosse um filme de terror esse seria o momento em que eu estaria morrendo de medo do assassino que, hipoteticamente, estaria me esperando.
Pelo amor de Deus Gael, isso não é um filme de terror. Segui o som dos passos, lentamente cheguei nas portas, uma parte porque eu estava com medo e outra porque não sabia o que me esperava.
Abri as portas. Meu corpo parou com a visão de partir o coração que me deparei. Era ela. Emerie estava de joelhos no chão, seus braços com força contra seu peito. Ela estava chorando, respirando com dificuldade. Não notou a minha presença, ou se notou não se importou. Ignorei a preocupação que me assolou por recordar que seu corpo ainda não estava preparado para andar, as cirurgias dos joelhos eram muito recentes. Ela não estava pronta.
- Ah meu Deus, Emerie. - Suspirei com uma sensação estranha no peito. Ela não respondeu. - Emerie você está me ouvindo?
Me agachei com cuidado ao seu lado. A garota continuou quieta, perdida em seus pensamentos. De repente a lembrança daquela noite voltou.
- Emerie? Emerie olhe para mim. - Nada. Nenhuma resposta. - Vai ficar tudo bem. Olhe para mim.
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Angel In My Life
Roman d'amour(Concluído/Completo) A maior tensão sexual entre um anjo da guarda e uma humana que você irá encontrar... Emerie e Gael, uma humana e um anjo. Dois mundos completamente diferentes... o que eles têm em comum? A resposta é: os mesmos desejos devassos...