2.14 |Gael

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Lá estava o antigo Gael. Nerd, trancado na própria bolha sem desejo nenhum de ser como os atletas da sua idade que tinham um corpo e esbelto, músculos absurdamente definidos e um tanquinho que faziam aquelas líderes de torcida literalmente ter um orgasmo a luz do dia. Brincadeira, não era nenhum seriado da Netflix. Na verdade eram garotos normais que praticavam esporte e tinham uma musculatura mais delineada, nada exagerado. Eu não me importava com os olhares de desdém, ou a falta de importância que as pessoas me davam, meu foco nunca foi ser o centro das atenções, não fazia diferença ser notado ou não. Minha presença nunca foi um fator importante na escola, exceto quando as provas estavam vindo aí todo mundo lembrava do Gael banana. O nerd que não tinha amigos o suficiente para um time de futebol, mas os poucos que tinham eram o bastante para uma madrugada de video game, já era muito coisa pra alguém como eu.

Ainda recordo do dia que as coisas mudaram. Dezessei anos, voz mais grave e um corpo na fase da puberdade, evidentemente fiquei diferente do que o ano interior. As férias no litoral ajudaram bastante no bronzeado da minha pele, tudo bem, as corridas matinais também influenciaram para a mudança, que alguns poderiam denominar "assustadora", porém eu continuava o mesmo. Acho que não fui eu quem mudou, as pessoas mudaram, as garotas que nunca perceberam minha presença passavam a me olhar curiosamente, de repente falavam comigo, tinham dúvidas em época que não havia provas próximas nem um trabalho importante. Não estranhei o repentino comportamento delas, eu sabia o que estava acontecendo. Devo admitir, pra alguém como eu aquilo foi um tanto quanto interessante, o meu interesse só aumentou quando ela chegou.

Rachel Palmer estava vindo na minha direção? Sim, ela estava. Uma dúvida sobre um exercício de história. Quem tem dúvida em história?
Ao que parece ela tinha uma certa dificuldade em entender a matéria e precisava de alguém pra ajudá-la a passar, a melhor opção segundo ela, era justamente eu. Toda sexta a tarde nós estávamos no colégio retomando a magnífica história. Começamos a revisão na Pré-História, seguindo para Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna até por fim, Idade Contemporânea. Todas as sextas cada período histórico estudado com linhas do tempo, mapas mentais e qualquer outro tipo de método que ela pudesse entender. Ela entendeu.

Na última sexta antes das férias, as provas já tinham encerrado. Foi quando Rachel apareceu e se jogou nos meus braços e me beijou. Fiquei atordoado, nunca fui beijado antes. Ok, exceto pela minha mãe quando eu era criança, mas isso não conta e seria estranho considerar. Perguntei assustado porque Rachel tinha feito aquilo, foi então que ela mostrou a nota da prova. Justificou que havia acertado todas as questões e isso era um gesto de gratidão, e que durante todo o período letivo, ela queria fazer aquilo mas pensava não ser o momento mais adequado e não queria me deixar assustado. Minha reposta foi beija-lá de volta, Ray retribuiu sorrindo contra os meus lábios, passando seus braços ao meu redor. Foi o meu primeiro beijo oficial e foi incrível para alguém que nunca tinha o feito antes.

Meses depois estávamos assumindo nosso relacionamento. Ray tinha sido a primeira e, até então, a única. Foi com ela o meu primeiro beijo e a primeira vez que fiz sexo, foi vergonhoso mas ela foi paciente e garantiu que eu ia ser melhor nisso. De fato. Meu primeiro "eu te amo" também foi pra ela, vivi aquela fantasia de "felizes para sempre". Nos meus dezenove anos, por falta de cuidado da nossa parte, ela engravidou. Nunca senti tanto desespero e felicidade como no banheiro de um restaurante italiano na praça central da cidade. Um teste de farmácia confimou as nossas suspeitas. Ela estava grávida, nós íamos ser pais, e isso era aterrorizante. Só faltava contar para os nossos pais, minha mãe reagiu muito bem com inúmeros "parabéns" e um sermão materno reafirmando o que eu já sabia. Os pais dela ficaram chocados, a doce garotinha do papai moldada desde criança pra ficar com os negócios da família tinha jogado seu futuro fora com a criança que carregava, foi o pensamento deles na época. Fui homem o suficiente pra arcar com as consequências e dei total apoio pra Ray, o bebê no seu ventre não era responsabilidade total e exclusiva dela, era meu também.

Fizemos nossos planos, e como prova do meu amor e responsabilidade com ela e nosso filho, ficamos noivos. Um casamento seria prova o suficiente pra família dela, eu não ia a abandonar ou sumir no mundo como muitos pais fazem. Como o meu fez. Eu estava com medo sim, assustado também. Contudo, tinha sido a minha escolha fazer sexo, tudo bem eu não escolhi fazer um filho naquela hora, mas aconteceu não havia mais nada que eu pudesse fazer a não ser amar o pequeno ser humano que se formava na mulher que eu amava.

Dois meses depois, nossas planos foram interrompidos. Era uma manhã quando Rachel foi se limpar, sua higiene básica como sempre fazia, porém ela sentiu uma pontada, uma dor aguda na região abdominal. Ela gritou meu nome a tempo de ver o sangue escorrendo por suas pernas, Ray me olhou assustada, fiquei paralisado por um instante sem saber o que fazer. Quando notei, o telefone já estava na minha mão, meus dedos digitando rapidamente o número de emergência. A ambulância chegou meia-hora depois, no hospital o médico diagnosticou o aborto espontâneo. Foi um baque. Rachel ficou devastada, não posso negar que também fiquei. Nosso planos foram por água abaixo. Apoiei ela durante os dias em que sua tristeza era maior do que qualquer coisa, isso durou meses. E eu sempre estava lá.

A partir daquele instante ela ficou diferente, não tinha nada da garota por quem me apaixonei. Eu entendia ela, sabia porque Ray estava mais fechada e não sorria com tanta frequência, mas além disso ela passou a ficar mais amarga. Cruel. Naquele mesmo ano quando completei vinte anos decidi dar um tempo no noivado e me mudar sozinho pra outra cidade. Respeitei a atitudes dela, mas já não podia mais suportar seu trantamento bárbaro, não só comigo. Pedi um tempo, ela não aceitou muito bem, fez objeções e acusações sem fundamento, mas não podia contrariar a minha escolha e cedeu. Concordou com a minha decisão, mesmo sem crer ser o melhor para nós dois.

Semanas depois de estar na nova cidade, outra reviravolta. Foi quando no meio do caos, dor e escuridão encontrei aqueles olhos que jamais deixaram os meus pensamentos desde então. Encontrei aquela garota tomada pelo medo e angústia, e senti aquela necessidade incansável de ficar com ela caso algo pior acontecesse, esperei por dias e mais dias naquele hospital esperando reviver o mesmo momento de quando perdi meu filho. Esperando o médico avisar que ela não resistiu. Mas não foi isso que aconteceu, quando soube que ela estava viva e bem, um sentimento, que nunca esteve ali antes, apertou no meu peito e eu soube que de tanto espertar por ela eu estava me apaixonando sem nem mesmo perceber. Meu cérebro já não funcionava como antes, as palavras se transformavam em um único nome. As pessoas que eu via na rua só tinham um rosto. O dela.

Porém, o meu noivado ainda estava pendente e enquanto isso ainda estivesse assim, nada podia ser feito em relação a mulher que me esperava todos os dias no hospital. O fim do meu noivado não teve nada a ver com ela, a culpa do meu relacionamento chegar ao fim não tinha nenhum tipo de ligação com a Emerie. Rachel merecia alguém que amasse ela como eu amei nos primeiros anos da nossa relação, que amasse ela todos os dias até o fim da sua vida como era digna, e queresse construir um futuro, uma família com ela, e esse alguém já não era mais eu.

Dessa vez quando fiquei separado da pessoa que eu amava não era uma escolha minha. De qualquer modo, eu tinha que respeitar igualmente pois se ela desejava um tempo para si mesma é porque tinha os seus motivos e eu não podia ser um intruso ou uma distração nisso. Emerie escolheu se afastar, era a decisão certa, nós dois ainda éramos estranhos um para o outro e precisávamos ajeitar a nossa vida caso um dia fizéssemos parte da vida um do outro. Estava tudo bem, eu faria isso. Emerie disse que ia me esperar, mal sabia ela que todo esse tempo eu já estava a esperando. Aguardando o momento no futuro em que poderíamos finalmente ser um do outro.

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