Cap 4

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Cap 4

Por Ivy
A imagem do rosto de Salvatore Gambino sendo tomado pelo choque e de seus olhos arregalando feito uma criança que foi flagrada aprontando é impagável. A pele fica mais pálida que o normal,o sorriso ameaçador desaparece e a boca se entreabre pela surpresa.
Acho que é minha imagem preferida. Eu deveria tirar uma foto ou mandar pintar um quadro.
Meu irmão também aparenta gostar,nunca teve uma relação boa com nosso pai mesmo sendo o filho preferido e,com o passar dos anos e com a última briga que tiveram,o ódio reinou.

— Jasper - o nome atravessa os lábios ressecados do capo.
— Salvatore - Jasper cumprimenta educadamente - além de velho,está ficando surdo também? - meu irmão provoca.
— Ele não costuma usar muito a cabeça - falo com humor.
Salvatore me encara com ainda mais ódio e sinto o aperto no meu pescoço aumentar. Se a dor não fosse tão incomoda,acho que eu sorriria só para provocá-lo mais,vitoriosa por tê-lo feito perder a cabeça tão facilmente.
Assim como agride,ele também recebe. Jasper vê as mãos do nosso pai se fecharem com mais força e reage no mesmo instante,desliza a lâmina afiada sobre a pele dele causando um pequeno sangramento. Salvatore geme baixinho,de dor,e agora sim me faz sorrir.
— Mandei soltar ela - ele ordena. A voz de um rei,poderosa e fria - agora! - meu irmão fala e aperta a faca contra o pescoço do pai,causando mais um foco de sangramento.
— Essa maldita vale mais viva - Salvatore fala com raiva e finalmente solta meu pescoço.
Jasper recolhe sua faca e a coloca sobre a mesa de mogno ao seu lado. De forma despreocupada, ele encara nosso pai que pega um lenço no bolso traseiro e pressiona contra o pescoço.
Já eu,luto contra meus instintos e não coloco as mãos sobre o pescoço,não faço uma massagem para aliviar o incômodo da pressão que sofri. Não daria esse gostinho pro meu pai mesmo que isso me matasse.
— Você está bem? - meu irmão pergunta carinhosamente e se vira pra mim.
— Bem melhor do que deveria - o capo murmura com raiva.
— Estou bem - garanto - mas estaria melhor se você tivesse usado um pouco mais de força com a faca - provoco. Meu irmão sorri.
— Sanguinária como sempre - ele comenta com leveza e,ao colocar a mão no bolso,puxa um lenço branco para fora - toma - o moreno estende o tecido pra mim.
— O que? - questiono confusa.
— Seu lábio está sangrando,Ivy - ele explica pacientemente.
Ainda perturbada,pego o lenço e fico surpresa ao levá-lo ao lábio e sentir uma leve ardência. Ao retirar o tecido,vejo o sangue manchar a seda macia que carrega as iniciais bordadas do meu irmão.
Acho que explodiria de raiva se não fosse tomada pela preocupação. A festa de comemoração ao noivado será em três dias e vou ter que encontrar uma desculpa razoável para o machucado na boca,isso se não for obrigada a cobrir manchas roxas no pescoço também.
— Olha o que você fez! - exclamo irritada e me viro em direção ao espelho na parede.
— Você merece muito mais - meu pai responde.
— O noivado é em três dias,seu brutamontes - conto ainda brava enquanto observo o pequeno corte no lábio inferior.
— Em três dias isso já vai ter sumido. E se não sumir,é bom que seu noivo vá aprendendo a como lidar com você - ele desdenha.
— Eu é que vou te deixar de joelhos,seu merda - respondo furiosa.
— Você me chamou de que? - ele grita e tenta avançar pra cima de mim.  Meu irmão dá um único passo e entra na frente.
— Eu não faria isso se fosse você - Jasper fala como um conselho.
— O que foi? Não gosta dos adjetivos que te dou? Garanto que posso encontrar alguns bem piores - reajo.
— Ivy,já chega - ouço minha mãe repreender e me surpreendo - aliás,já chega para vocês três! - ela ordena.
Como três idiotas,nos viramos em direção a voz e encontramos a matriarca da família parada diante a porta principal. Ela parece bastante tranquila para quem acabou de flagrar uma discussão um tanto quanto acalorada,o que me faz acreditar que estava nos assistindo a um tempo.
Presto um pouco mais de atenção e meu coração aperta ao encarar seus olhos,ao ver a mágoa e a preocupação escancarados como feridas maiores que os cortes que meu pai e eu causamos um no outro.
— Controla seus filhos,Camille. Ou eu vou ter que fazer - Salvatore ameaça.
Mordo a língua pra segurar a resposta e observo o capo sair da sala arrastando o que sobrou do ego,que não é pequeno. Ele anda como um rei, como se não tivesse acabado de ser humilhado pelo filho mais velho e xingado pela caçula.
Desde muito pequena sei que o casamento dos meus pais nunca passou de aparência. Ele não a respeita,acho que nunca nem gostou dela,a trata como um mal necessário e,em diversas ocasiões, a agrediu. Há alguns anos ele largou mão de vez e nem faz mais questão de esconder as amantes. É um verme,nojento e dissimulado.
— Chegou,não cumprimentou sua mãe e já foi cortando o pescoço do seu pai? - a morena repreende com humor.
— Não gosto que machuquem as mulheres da minha vida - ele explica com naturalidade.
— Nem do Salvatore - brinco. Meu irmão ri.
— Estou tentando me livrar de uma bronca,se você der licença - ele retruca,nos faz cair na gargalhada.
— Oh,meu filho - ela sussurra e se apressa para abraçar o primogênito.
Apesar de mantermos contato todos os dias,não vemos o Jasper há quase um ano,desde o natal quando ele foi nos visitar na Itália,e confesso que estava morrendo de saudade.
Espero até nossa mãe soltá-lo e também me aproximo a procura de um abraço. Jasper é e sempre foi meu porto seguro,com ele aqui tenho certeza que,apesar de furioso,Salvatore não vai dar um único passo em falso. Nosso pai é esperto o suficiente pra saber que não ganha uma briga com o filho e que seu cargo de capo está ameaçado.
— Estava com medo que não viesse - confesso baixinho,em seu ouvido. Meu irmão sorri.
— Nunca te deixaria sozinha,muito menos em um momento como este - ele garante.
— É bom mesmo - ameaço e me afasto para vê-lo melhor.
Jasper está exatamente como me lembro,lindo e assustadoramente sombrio. Com a fisionomia elegante e o porte atlético,ele parece mais um modelo do que um subchefe,mas a escuridão nos olhos azuis,a tranquilidade perturbadora e a aura pesada que o cerca o fazem parecer mais vivido e intenso do que deveria. Aos 25 anos,ele deveria ser leve e divertido,como era antes de se afastar da família.
Atento,ele parece que estou prestes a questionar o que diabos anda acontecendo e acena de forma discreta para que eu fique quieta. Vamos ter tempo para conversar e tem certas coisas que devem ficar só entre nós,sem envolver nossa mãe que já tem o suficiente para se preocupar.
Dou um beijo carinhoso no rosto dele e volto a me sentar no braço do sofá. Dona Camille com certeza vai enchê-lo de perguntas e estou ansiosa para escutar as respostas.
— Poderia ter dito que estava vindo. Eu teria te pegado no aeroporto - ela fala com carinho.
— Peguei um jatinho particular - meu irmão esclarece - e vamos ser sinceros,vocês adoram minhas surpresas - ele provoca e a abraça de lado.
— Estava mesmo me perguntando quando o super herói ia aparecer - retruco. Ele sorri.
— Queria ter chegado a tempo de ver seu primeiro encontro com o Alec,mas acabei pegando uma tempestade no caminho. Como foi? - ele questiona.
— Está aí uma boa pergunta - murmuro com descontentamento.
— Por que? Ele fez alguma coisa que você não gostou? - ele pergunta com preocupação.
— Muito pelo contrário,ele foi um cavalheiro perfeito - exceto pela parte final,mas isso não é da conta de ninguém.
— Qual é o problema,então? - nossa mãe pergunta com curiosidade.
— É exatamente esse. Ele é extremamente inteligente e sedutor,sabe envolver e manipular… - tento explicar.
— Exatamente como um capo deve ser - o moreno ressalta.
— Exatamente como um marido não deve ser - retruco.
— Todos os homens de honra são assim,Ivy. Eles precisam tomar cuidado uns com os outros,saber o que podem ou não dizer. Tudo é calculado porque tudo é perigoso - ela argumenta.
— Sei disso e com certeza não o julgo por ter receio em relação ao meu pai,mas ainda assim… - comento com desconfiança e solto um suspiro.
— O que aconteceu quando vocês ficaram a sós? - ela questiona.
— Vocês ficaram a sós? Quem permitiu isso? - Jasper pergunta com indignação.
— Quem você acha? - retruco - nosso pai me colocaria de lingerie vermelha no meio da sala se isso garantisse um acordo vantajoso!
— Aquele maldito - ouço ele murmurar.
— Mas a culpa dessa vez foi minha. Pedi para conversar com o Alec porque queria negociar alguns termos antes do casamento e aproveitei para sondar um pouco,tentar conhecê-lo melhor - confesso.
— Você se arriscou demais. Não pode ficar sozinha com ele antes do casamento,não é a tradição e…
— E eu poderia ter estragado tudo,sei disso - completo com frustração. Odeio ser tratada como se não soubesse o que estou fazendo.
— Poderia ter se machucado - ele fala com mais calma - Alec é um homem perigoso e é seu noivo,pode acreditar que tem algum tipo de poder em relação a você e duvido que o Salvatore faria algo para impedi-lo se ele te agarrasse.
— Tenho certeza que ele torceu pra isso,só para adiantar o casamento - falo enojada.
— Não faz mais isso - Jasper ordena.
— Não posso prometer isso,Jas. Quero ver ele de novo,conversar a sós e tentar entender melhor toda essa situação - respondo.
— A situação é simples de entender,Ivy. Ele ganha você,nosso pai ganha mais dinheiro e as Famílias ganham mais poder - ele simplifica com irritação.
— Quero saber o que ele quer em relação a mim e a Cosa Nostra. Não vou deixar o Alec fazer negócios com o tio Vittorio se não confiar plenamente nele - explico pacientemente.
— E não vai conseguir isso com seu pai por perto - ela deduz.
— Por que não deixa o tio Vittorio resolver isso? Ele já é bem experiente e grandinho pra decidir sozinho - meu irmão insiste.
— Porque não quero ser um troféu pra Família exibir. Se meus planos derem certo,se eu tiver o apoio do Alec e o seu,o reinado desse tirano que chamamos de pai está com os dias contados - conto.
— Ivy… - minha mãe repreende.
— Meu apoio pra que? - meu irmão pergunta com curiosidade.
— Você é subchefe da Outfit,deve saber melhor do que eu sobre o que acontece na Família Gambino - falo entediada - o nome do Salvatore está perdendo força,ele não é mais tão temido e admirado como antes…
— E você quer que eu dê um golpe nele - o moreno deduz,não parece feliz com a ideia.
— Você não quer? Não quer destruir aquele maldito e ainda tomar o lugar que é seu por direito? - pergunto com seriedade.
— É claro que quero,Ivy. Ninguém mais do que eu adoraria ver o Salvatore rastejar. Mas isso não vai acontecer da noite pro dia e não quero que você se arrisque mais. Casar com o Alec já é perigoso o suficiente e não vou permitir que você se exponha mais - ele responde no mesmo tom.
— Alec não vai fazer nada contra mim. Não enquanto ainda existir a possibilidade de uma aliança com a Cosa Nostra - garanto.
— Seu noivo deseja a aliança,mas não precisa dela. Não vamos arriscar - ele decreta.
— Não é você quem decide isso - falo com o mesmo tom. Ele suspira.
— Você precisa de mim pra conseguir o que quer - meu irmão ameaça.
— E você precisa de mim - também imponho - e se quer mesmo saber,também estou fazendo isso por mim. Se vou ter que ser a mulher dele,então quero ao menos conhecê-lo um pouco antes - confesso com certa insegurança.
A ideia de me entregar ao Alec ficou um pouco mais tolerável depois de conhecê-lo. Como eu mesma já reconheci,ele é sedutor e envolvente, sei que,se quiser,vai ser um amante maravilhoso. Mas também tem a possibilidade dele não querer e o fato de eu só tê-lo visto uma vez na vida. Isso não é muito atraente.
Vejo um raio de preocupação passar pelos olhos do meu irmão antes dele se afastar para pegar uma bebida. Jasper nunca gostou da ideia de eu me casar com um estranho e desconfio que tudo piorou depois que o Alec assumiu o lugar do pai. Mesmo o cargo sendo importante para nossos planos e,em teoria,ser mais fácil trazer meu marido e não meu sogro para o nosso lado,Alec ser misterioso e imprevisível torna as coisas bem mais difíceis.
Meu noivo é muito diferente do pai. Christopher Genovese era um homem que adorava regras e rotina,seus passos eram sempre seguros e muito previsíveis. Ele não dava passos em falso,não se arriscava nunca e raramente punia seus homens ou seus inimigos,fazia de tudo para evitar boatos e ter seu nome exposto.
Já o Alec,ele adora ser reconhecido onde passa. O diabo de NY é orgulhoso e vaidoso,está sempre cercado por homens de confiança,adora frequentar suas boates e cassinos e seus crimes estão se tornando lendas. Ele é violento,ardiloso e tenho certeza que vai adorar me exibir por aí. Ter uma Denaro Gambino ao seu lado vai ser só uma de suas muitas vitórias - uma vitória grande e que deve ser muito comemorada,admito,mas ainda assim só mais uma.
— Vou ter uma conversa com ele antes da sua noite de núpcias,não se preocupa - meu irmão anuncia e me surpreende.
— O que?! - exclamo,surpresa.
— Não vou deixar ele te machucar,Ivy. Não importa o que isso custe - ele decreta.
— Jasper,não se mete no meu casamento! - ordeno com irritação.
— Não vou cortar a garganta do seu noivo ou castrá-lo antes do casamento,só pretendo deixar muito claro que não vai haver qualquer aliança com a Cosa Nostra ou com a Outfit se ele passar dos limites com você - Jasper garante.
— Ele já sabe disso - retruco.
— Não,ele não sabe. Tenho certeza que Salvatore não abordou esse assunto quando conversaram e Alec precisa saber que você não é uma puta sendo negociada. Você é uma Denaro,Ivy. E é uma Gambino. Nunca vai estar desprotegida - meu irmão declara.
Com um suspiro,decido encerrar o assunto. Sei que é inútil contrariar e confesso que gosto da atitude do Jasper,me deixa mais segura. Posso não ter um pai dedicado e protetor mas tenho meu irmão,meus tios e minha mãe,vou estar bem enquanto eles estiverem ao meu lado.
— Seu irmão está certo,querida. Fico mais segura assim também - minha mãe tenta.
— Bom…ele vai falar com ou sem a minha permissão mesmo - cedo. Jasper sorri.
— Se Alec for mesmo tão esperto quanto parece,vai te tratar como uma rainha - ele anuncia.
— Ah,vai mesmo. Se não eu mesma faço da vida dele um inferno - decreto.
— Ninguém duvida disso,meu amor - Camille comenta entre risos.
Ivy : e você? Como está indo em Chicago? - mudo de assunto.
— Está tudo ótimo - ele responde com naturalidade. Reviro os olhos.
— Só isso? - insisto. Meu irmão dá de ombros.
— A vida lá não é muito diferente daqui. A organização da Família é a mesma,os negócios parecidos…Não tem muito o que falar - meu irmão comenta.
— Não queremos saber da Outfit,Jasper. E sim de você - nossa mãe esclarece.
— Não sei se existe diferença. Dedico todo meu tempo ao trabalho,não tenho uma vida fora da Família - ele conta.
— E você não vê problema nisso? Não sai pra se divertir,não tem uma namoradinha…
— Trabalhei muito pra ganhar a confiança do Richard e não vou jogar fora - ele garante.
— Você não precisa jogar a confiança do Richard fora pra se divertir,Jasper. Você é lindo,é jovem e tem tanto pela frente ainda,devia sair um pouco,ver gente… - ela aconselha.
— Ih esquece,mãe. O Jas nunca foi de ficar por aí e não é agora que vai mudar. Ele é um idoso com 25 anos - provoco.
— Sou um homem,Ivy. Sei que você só está acostumada a lidar com moleques mas… - ele retruca com o mesmo tom e dá risada quando jogo uma almofada na sua direção.
— Crianças,adultos…Vocês não mudam - ela suspira em contentamento.
— Bom humor é o segredo para manter a pele sempre vistosa - comento.
— E qual é o segredo para o bom humor? - Jasper pergunta em provocação.
— Bom,terminar uma noite como está viva já é uma grande colaboração - brinco. Eles dão risada.
— Disponha,principessa - ele retruca com sarcasmo.
— Vocês ainda vão me deixar maluca - ela comenta - se é que já não deixaram - a matriarca lamenta em tom dramático.
— Pois é,dona Camille. Dizem que a maternidade é o inferno e o paraíso de uma mulher - declaro de bom humor e dou um tapinha de consolo em seu ombro.
— E eu pelo jeito tirei a sorte grande. Uma filha que quer dominar o mundo e um filho que praticamente vive numa caverna - ela fala com ironia.
— Batman e Coringa,uma dupla e tanto - brinco e novamente faço eles darem risada.
— Poderia ser pior. Nós dois poderíamos ser o Coringa - ele consola.
— Ou o Batman - completo.
— Ou o meu paraíso - nossa mãe provoca e nos faz rir.

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