Cap 19

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Cap 19

Por Ivy
Meu vestido de noiva é espetacular. São mais de doze mil cristais bordados um a um no tecido branco que cai com uma leveza impressionante até meus pés. O decote é bastante cavado,até a boca do estômago. O modelo é tomara que caia e tem um cinto falso na cintura,só para marcar.
Meu cabelo ficou ondulado e preso num rabo de cavalo baixo. Não quis coroa,nem tiara porque os bordados do vestido e da capa já chamam muita atenção.
A capa é maravilhosa e me deixou apaixonada desde que vi o croqui. Ela tem um comprimento mais longo que o vestido,faz uma calda delicada e também é inteira bordada com cristais. O fecho é quase um colar,atravessa meu pescoço como folhas feitas de tecido branco e zircônias.
Pedi para a maquiadora usar tons quentes nos meus olhos para realçar a cor natural deles e um vermelho discreto nos lábios,matte,para não destacar mais que o necessário. E ficou incrível. Estou muito bonita.
A decoração da cerimônia também está linda. Exatamente como planejei.
Escolhi uma passarela branca,sem tapete,para me guiar até o altar. Hortênsias,rosas e tulipas brancas e rosas claras rodeiam o caminho em arranjos luxuosos e no altar dois vasos grandes, provençais e majestosos se destacam com as mesmas flores.
O jardim lembra muito os da realeza. É bastante arborizado,com pinheiros altos e árvores que devem ter um milhão de anos. A grama foi aparada nesta manhã e os postes de luz estilo século XIX dão um ar romântico ao local.
Está tudo perfeito.
Tudo menos meu humor.
Me despedi da tia Isabela e da minha mãe há um minuto atrás,quando meu pai chegou para fazer seu papel e me entregar para o Alec. E meu humor piorou de vez.
Demorei bastante para terminar de me arrumar, enrolei o máximo que pude só para não ter que passar mais tempo do que o necessário com meu pai,mas o necessário também é insuportável.

— Para quem não queria casar,você até que caprichou bastante - Salvatore elogia enquanto caminhamos em direção ao jardim.
Já consigo escutar as vozes dos convidados e a música que a orquestra toca. Foi a que escolhi para a entrada do noivo.
Daqui consigo ver as damas de honra com seus vestidos rodados e coques armados. Os pajens estão começando a se posicionar com as meninas e quase dou risada ao ver a Elsie correr atrás de um dos garotinhos que se recusa a usar a gravata borboleta.
— Quem disse que não queria me casar? - falo com leveza,apesar de estar com o coração tão apertado que parece minúsculo.
— Você não é a noiva mais radiante que já vi - ele comenta.
— E você já viu alguma noiva radiante? - retruco em provocação. Ele ignora.
— É bom que se comporte e seja uma ótima esposa para o Alec,Ivy. Não vou te aceitar de volta,muito menos usada - meu pai ordena. Seu tom me da nojo.
— Não se preocupe,papai - interrompo - Alec vai ser muito feliz comigo. Acho que já percebeu o quanto nos damos bem - provoco.
— Ivy… - ele repreende.
Nos aproximamos da entrada principal e a Elsie finalmente consegue organizar as crianças.
Como o jardim não tem portas,muitos convidados já podem nos ver. Seus rostos mostram surpresa e fascínio. Com certeza não esperavam que eu fugisse tanto de um modelo clássico de vestido.
— Eu te falei uma vez,mas como sua memória é seletiva e seu cérebro é uma ervilha,vou repetir - alerto com seriedade - quando o Alec colocar a aliança no meu dedo,vai ser sua última vitória. A última vez que exerce algum poder na minha vida - falo em tom de ameaça.
— Aí que você se engana,querida. Estou me livrando de um peso enorme,mas só vou me dar por satisfeito quando exibir os lençóis com seu sangue depois da noite de núpcias - o capo declara com satisfação.
— É mais fácil o Alec exibir um lençol com o seu sangue - retruco sem me abalar.
Já ouvi muitas coisas absurdas do Salvatore,uma vez até pensei que ele iria…
Não gosto de lembrar.
Mas o fato é que aprendi a lidar com ele e com as ameaças vazias. Suas palavras não me atingem, só me deixam mais tentada a acabar de vez com esse reinado decadente.
E cada passo que dou me aproxima mais desse momento.
— Você está linda - Elsie elogia com animação.
— Está tudo perfeito - elogio. Ela sorri.
— Tudo pelas minhas noivas - a loira retruca - está pronta? Está na hora.
— Ela está pronta - Salvatore responde antes de mim. Elsie fica surpresa.
— Já viu um pai mais ansioso que a noiva? Tão bonitinho - falo sem me conter,com a voz cheia de ironia. Ela sorri.
— Vou avisar a orquestra - Elsie responde e se afasta um pouco.
Cumprimento brevemente as crianças que mal conheço e me viro para frente,em direção aos duzentos convidados que foram selecionados com todo o cuidado do mundo e do meu noivo.
Alec está lindo em um terno slim preto,de corte italiano e com colete por baixo. A gravata também é escura e os sapatos são novos. Todo o look que escolhi.
Mas o que realmente me prende são esses olhos castanhos que parecem estar em chamas. Alec me encara com tanta intensidade que mesmo a distância consegue me deixar tonta.
Meu coração acelera mais agora,parece que vai saltar do peito. E tenho uma sensação estranha, algo que vem do fundo,quase primitivo,que me faz desejar correr em direção ao altar.
Minha pele chama por ele. Meu corpo arde.
Os músicos começaram e os poucos convidados que não tinham notado minha presença se viram para olhar. São muitos rostos,muitos penteados altos e roupas coloridas.
Na minha cabeça,são só borrões.
Minha mãe está na primeira fileira junto com a tia Isabela,tio Vittorio,Jasper e meus primos Lucca e Rocco. A família Denaro. Minha família.
Katherine está do outro lado,junto com alguns membros do alto escalão da Família Genovese e com um sorriso largo nos lábios rosados. Ela é a única que está verdadeiramente feliz com esse casamento.
— Vê se não cai - meu pai provoca.
— Quem deve se preocupar com isso é você - retruco imediatamente,já acostumada a ameaçá-lo.
Salvatore aperta meu braço como um sinal de alerta,mas não me importo. Ele não pode fazer nada contra mim.
Não mais.
Os passos que dou em direção ao Alec não são para me amarrar,mas para me soltar. A partir de hoje estou livre do Salvatore. Ele não pode me tocar,não pode me machucar e,principalmente, não pode me desafiar.
Depois do “sim",vou ser maior que ele. Maior do que ele imaginou que eu poderia ser.
E é com esse pensamento que continuo. Com os olhos atentos do Alec cravados não no decote do vestido ou no meu rosto,mas no braço do Salvatore que está entrelaçado ao meu. Ele está tão atento que se meu pai der um passo em falso,vai ter a garganta degolada pelo meu noivo.
Acho que esse é mais um conforto.
Alec é um canalha,possessivo e violento,mas não é mentiroso e não trai as promessas que faz. Ele é protetor,é atento e sei que não vai permitir que ninguém me fira.
Assim que nos aproximamos,meu noivo desce os três degraus do altar e vem ao nosso encontro.
— Salvatore - Alec cumprimenta educadamente e com a voz séria,sombria.
— Espero que faça bom proveito,Alec - o capo declara. Me dá náuseas.
— Você nasceu com o dom de ser inadequado e nojento ou adquiriu com o tempo?! - falo sem me contar. Alec sorri de lado.
— Muito possivelmente você herdou de mim - ele retruca.
— Não herdei nada de você - garanto,ofendida.
— É,com certeza não herdou - Alec concorda e estende a mão para cumprimentar meu pai.
Não preciso conhecer profundamente o Alec pra saber que ele está tão enojado quanto eu. Ele está recebendo uma mercadoria valiosa,algo que almejou por anos,mas para isso precisa selar esse acordo com um monstro,na frente de todos.
Salvatore Gambino está com os olhos brilhando e sorrindo abertamente quando aperta a mão do Alec.
— É sempre bom fazer negócios com você - ele declara com alegria.
Tanto o Alec quanto eu ignoramos e esperamos o capo se afastar. Ele vai até a primeira fileira e se senta ao lado da esposa.
Sinto um frio na espinha ao vê-lo perto da minha mãe.
Ainda bem que a convenci a ficar na Itália até o fim da minha lua de mel. Não conseguiria ficar tranquila em deixá-la sozinha aqui.
Alec toca minha mão e me viro novamente em sua direção.
Assim de perto,consigo observar alguns detalhes que não tinha reparado.
No terno,meu noivo tem um lenço escuro que fica com a ponta para fora do bolso. As abotoaduras são de prata,a letra G no meio de um escudo com duas armas poderosas atrás : o símbolo da Família Genovese.
— Você está deslumbrante - o noivo elogia. Vejo fogo e orgulho em seus olhos.
— Não passo despercebida no casamento dos outros,não poderia passar no meu - respondo com humor. Alec ri.
— É verdade - o moreno concorda - vamos? - ele chama.
Aceno em concordância,coloco minha mão sobre a dele e seguimos juntos até o padre.
Apesar de não ser um casamento na igreja,Alec e eu fizemos questão que a cerimônia fosse celebrada por um padre. Ambos somos católicos e nossas famílias religiosas,apesar dos pecados e da hipocrisia.
Padre Owen Pace tem aproximadamente oitenta anos e foi o responsável por celebrar todos os casamentos e batizados dos Genovese. É quase um patrimônio da família.
A cerimônia se inicia e a voz poderosa do homem domina o ambiente. Ele faz uma saudação,diz a data e o motivo da reunião e pronuncia os nomes dos noivos.
Todo o protocolo é seguido ao pé da letra e todos os convidados acompanham em silêncio. As orações,a participação dos padrinhos,o canto do salmo Responsorial e o clamor ao Santo Evangelho. Ninguém ousa interromper ou desviar a atenção.
Ninguém,menos uma.
Enquanto o padre Owen fala sobre o casamento e,mais pessoalmente,sobre meu relacionamento com o Alec - que ele conhece desde que nasceu - Sophia aparece e gera um burburinho irritante.
Convenientemente,a loira aparece justamente no momento em que o padre diz “Se tem alguém contra esta união,que fale agora ou cale-se para sempre".
Apesar de esconder muito bem a tensão,Alec fica mais ereto ao meu lado e fuzila a garota com os olhos. Seu rosto fica levemente pálido e a mão livre fecha em punho.
Vestindo uma peça justa e vermelha,a amante do noivo murmura um pedido de desculpas e se apressa em direção aos pais. Ambos a recebem com sorrisos nos rostos.
— Se você não der um jeito nela,eu dou - falo com irritação.
— Ela nunca mais vai cruzar seu caminho - o capo promete. O tom de voz não esconde a fúria.
— Podemos continuar? - padre Owen questiona e chama nossa atenção novamente.
— Claro - o noivo responde.
Padre Owen limpa a garganta para mostrar que pretende continuar,mas quem realmente consegue o silêncio da multidão é minha sogra que com um simples aceno cala todos.
Preciso respirar fundo para não dizer poucas e boas ao Alec na frente de todos ou deixá-lo no altar e aceitar o convite de voltar para a Sicília com meus tios.
Não acredito que ele não colocou aquela cadela no lugar depois do que fez na noite do noivado.
Frouxo!
— Alec Genovese,é de livre e espontânea vontade que aceita Ivy Denaro Gambino como esposa? - o senhor pergunta.
— Sim - ele responde sem pestanejar.
— Ivy Denaro Gambino,é de livre e espontânea vontade que aceita Alec Genovese como seu marido? - o padre se vira para mim.
— Sim - falo com firmeza e sem pensar muito.
Acho que vou desistir se pensar.
Ou cometer um crime.
Como quero minhas unhas na carótida daquela vadia e meus dentes rasgando a garganta do galinha ao meu lado!
Chega a hora do juramento e nossos pais ficam em pé. Assim como Alec,o padre e eu.
Elsie acena e uma garotinha linda,morena e de olhos castanhos,se aproxima com as alianças. Ela está sorridente e toda orgulhosa pelo trabalho que foi escolhida para realizar.
Alec é o primeiro a pegar a argola fina,simples,de ouro amarelo e com nossos nomes escritos dentro. Ele agradece a menininha,pisca para ela e a deixa ainda mais orgulhosa.
Repito os movimentos do noivo e também pego a aliança. É bem mais leve do que parece e,além dos nomes,a data de hoje também está registrada no anel.
Alec volta a segurar minha mão. O toque quente me faz estremecer e,apesar da raiva que ainda sinto,não consigo não me sentir atraída por ele e por esse olhar.
— Ivy,recebo-te como minha esposa e prometo ser-te fiel… - ele pronuncia de acordo com as palavras do padre - amar-te e respeitar-te,na alegria e na tristeza,na saúde e na doença,todos os dias da nossa vida - o capo fala com seriedade enquanto desliza a aliança no meu dedo.
Suas promessas falsas não deviam mexer tanto comigo. Sei quem ele é,sei o que me espera e a amante dele acabou de dar a prova que tudo isso não passa de um teatro.
Mas ainda assim,o tom da voz,a forma com que ele pronuncia o juramento olhando nos meus olhos,me faz tremer. Meu coração quase salta pela boca.
— Alec… - seu nome sai com dificuldade.
O capo fica mais tenso e seu rosto mais pálido. A mão dele segura a minha com força,aperta meus dedos na tentativa de me tranquilizar. Mas tenho certeza que a mágoa nos meus olhos só piora as coisas pra ele.
Simplesmente não consigo falar. Não consigo jurar amor e fidelidade a um homem que está trocando alianças comigo na frente da amante.
— Você está bem,Ivy? - o senhor questiona com preocupação.
Preciso dizer as palavras. Preciso me casar. Só assim vou me livrar do meu pai e salvar minha família. Só eu posso fazer isso.
Vamos,Ivy. Você consegue! Já fez e disse coisas bem piores. Mentir na frente de um padre e de um monte de pecadores não vai ser a mais difícil delas.
Mas me algemar a esse homem talvez seja.
Alec pode ser minha salvação,mas no fundo sinto que vai ser minha ruína.
— Ivy - Alec alerta.
— Estou bem - falo por fim - só emocionada - a desculpa esfarrapada sai com facilidade.
— É compreensível. Podemos continuar? - o padre pergunta com delicadeza.
Engolindo em seco e deixando a frieza dominar, aceno positivamente.
— Alec,recebo-te como meu marido e prometo ser-te fiel,amar-te e respeitar-te,na alegria e na tristeza,na saúde e na doença,todos os dias da nossa vida - declaro com seriedade e com o coração partido.
Promessas são importantes para mim. Minha palavra é lei. Mas isso..
É o juramento mais falso que já fiz.
As frases mais moribundas que já pronunciei.
Padre Owen nos abençoa e não deixo de notar o quanto isso é difícil para ele.
É óbvio que ele sabe as razões que nos levaram a esse casamento e não tem nada a ver com os mandos da igreja.
— O que Deus uniu,o homem não separa - padre Owen recita.
Não contenho o sorriso com a ironia.
O homem talvez não,mas a mulher…
— O que é tão engraçado? - meu marido pergunta com curiosidade.
Sim,marido!
— Piadinha interna - respondo.
— Uma hora está prestes a surtar e no minuto seguinte faz piadas…
— Você não tem que calar a boca e me beijar? - questiono. O capo ri.
— Tenho,sim - ele confirma.
Com um passo,Alec acaba com a distância entre nós e passa um braço ao redor da minha cintura. Ele cola o corpo ao meu,me toma como se eu fosse…
Como se fosse dele.
Apesar de magoada com a situação,o toque terno e gentil do Alec faz meus pensamentos virarem fumaça. Ele acaricia meu rosto com suavidade,é extremamente acolhedor e quente.
Os olhos também. Os malditos olhos castanhos que parecem um portal pro inferno. É impossível ignorar. Sinto como se fosse sugada,puxada por um ímã forte demais e obrigada a mergulhar na escuridão.
Meu corpo incendeia no momento em que os lábios do capo tocam os meus. É um selinho longo,uma carícia antes da sua língua pedir entrada e dar início ao beijo mais importante da minha vida.
Os aplausos e as vozes atrás de nós são meros sussurros agora. Não ouço,não vejo e não sinto nada além do Alec. Ele se funde às minhas veias, escorrega por entre os muros que construí.
É uma tortura dolorosa,cruel,lenta e deliciosa.
Meus dedos escorregam até os cabelos lisos do meu marido e ele aparenta gostar porque aperta minha cintura com mais força. A mão possessiva quase arranhando a carne.
Mas não dura muito.
Diferente de mim,Alec nunca se entrega a uma sensação ou algum momento. Ele não se deixa levar e se afasta delicadamente para me lembrar de que ainda estamos rodeados de pessoas.
— Bem vinda a Família,senhora Genovese - o capo sussurra ainda próximo e sela meus lábios com um selinho casto.
Com um aceno,me afasto o suficiente para poder encarar a multidão e fico fascinada.
Sou Ivy Denaro Gambino Genovese,a senhora da Família. Mulher do capo mais poderoso de Nova York. Filha da Cosa Nostra e matriarca de uma das Cinco.
Sou a mulher mais poderosa das máfias.
Esse pensamento me faz sorrir,me faz sentir forte e imponente.
E é com esses sentimentos,com a alma ardendo, os olhos brilhando,um sorriso nos lábios e o peito vibrando,que me viro e encaro Salvatore Gambino.
Meu pai e meu maior inimigo.
— Vai ser um reinado interessante - declaro com convicção e orgulho,desafio o desgraçado com os olhos.
É hora da vingança começar.

A Esposa Do DiaboOnde histórias criam vida. Descubra agora