Há uma tocha de fogo ardendo sobre a minha cabeça. Quem a acendeu está me encarando através do espelho retrovisor.
— Vamos ver se essa mudez vai durar — ela desafia.
Viro o rosto para o outro lado e aperto os braços cruzados contra o peito.
— Cinco horas de silêncio. Temos um novo recorde! — exclama ele em tom de comemoração.
O calor do fogo faz as minhas bochechas queimarem. É o fogo da raiva ardente pelos maiores inimigos da minha existência: meus pais.
Encaro a rua através do vidro da janela. Pelo reflexo vejo o inimigo do sexo masculino digitar no celular. A inimiga do sexo feminino está dirigindo. Eles revezaram o volante desde a minha casa até a localização atual, seja ela qual for.
Para todos os efeitos, estou sendo sequestrada.
Não há outra definição para o que os meus genitores fizeram ao me tirarem de casa à força e me arrastarem para outra cidade.
Eles comentam mais alguma coisa, mas faço questão de colocar o fone de ouvido no volume máximo.
Não sou tão fã de rock, mas quando fui enfiada contra a minha vontade no carro, decidi que ia basear minha nova personalidade de acordo com a primeira banda de heavy metal que o Spotify me indicasse.
Mas a banda tocando nos meus fones não parece nada com o que um roqueiro que bate cabeça escutaria. Essa banda Lifehouse é mais um rock leve que até me agrada.
Decido que essa é a minha nova banda favorita até o fim dos tempos (amanhã já terei escolhido outra).
Cerca de duas horas depois, o carro para em frente a uma casa de dois andares com fechada branca.
— Chegamos! — o sequestrador anuncia empolgado.
— A casa parecia mais bonita na foto — reclama a sequestradora.
— Está brincando? Essa é a casa mais bonita dentre as que já moramos. Espere só para ver lá dentro! — ele sai saltitando para fora do veículo.
— Vamos, Grazy, se anima — ela se vira no banco para me olhar.
Viro o rosto para o outro lado da rua.
— Venham, garotas! Vejam que lugar maravilhoso para vocês duas encherem de vida! — ele exclama empolgado, enfiando a cabeça pelo porta-malas.
Ela desiste de obter alguma resposta minha e saí do veículo, suspirando ruidosamente.
Observo pela janela enquanto eles carregam as malas de mão e fico bem satisfeita ao perceber que ele carregou a minha também.
Tudo o que eu tenho está naquela mala. Não dá para acumular muitas coisas quando se é nômade.
— Olha só esse jardim! Essa casa é perfeita! — ele parece prestes a botar um ovo.
Sinceramente, eu não sei por que ele ainda faz o esforço de tentar nos fazer gostar das novas casas. Sabemos muito bem que essa felicidade toda não é por causa da mudança e sim por causa do aumento em seu salário.
— Filhota, não está curiosa para conhecer o seu quarto?! — ele grita para mim, sorrindo largamente.
Finjo que não é comigo.
— Vamos ver se ela vai passar a noite toda dentro do carro — desafia ela, indo para o interior da casa.
Odeio quando ela me desafia, pois me sinto obrigada a aceitar. No entanto, não tenho a menor intenção de passar a noite sozinha dentro de um carro em uma rua desconhecida.
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O garoto dos olhos avelã
Teen FictionGraziella tem uma imaginação para lá de fértil, vive no mundo da lua e, por vezes, acaba se enfiando em situações embaraçosas. Sem planos de se apegar à nova cidade, ela sabe que a promessa de permanência do pai é daquelas que não se deve levar à sé...