É intervalo pós aula de literatura. Estou na fila da lanchonete balançando a perna de tanto estresse por motivos de fome.
Talvez eu deva parar de fingir greve de fome, meus pais não parecem acreditar mesmo e eu fico no prejuízo ao pular o café da manhã e descontar na lanchonete da escola.
Afinal, o dinheiro para comprar um celular novo não vai se juntar sozinho, preciso economizar o dinheiro do lanche.
Atrás de mim, uma garota choraminga sem parar por causa do namorado e isso não ajuda no meu humor irritadiço de fome.
— Já é a terceira vez que eu pego uma conversa dele com a ex! — exclama a garota.
— Termina com ele. Ele é um canalha — outra voz feminina responde.
— Mas e toda a nossa história?! Eu não posso abrir mão de tudo. A gente se ama! — a voz aguda chorosa faz o meu ouvido zumbir.
— Então perdoa ele. Ele é fofo as vezes.
— Eu não sei mais o que fazer!
A ladainha me cansa. A fila não anda. Estou morta de fome. Estou furiosa por estar sem celular. Estou furiosa com os meus pais. A garota não cala a boca. O menino à minha frente masca chiclete com a boca aberta. Paciência não é um poço sem fundo.
Me viro para a chorona.
— Menina, termina logo com aquele embuste e para com essa choradeira no meu ouvido, porque eu não aguento mais!
As duas me olham de cima a baixo, como se eu fosse um inseto.
— Quem você pensa que é, inseto?
Quando ela dá um passo à frente percebo que não foi muito inteligente da minha parte mexer com alguém em um lugar onde não conheço ninguém.
— É... — começo hesitante e dou um passo atrás, saindo da fila. — É que você...
Quer saber? Recuar agora é pior. Posso até virar alvo delas se baixar a cabeça. Por isso levanto o queixo e decido mostrar que não tenho medo.
— Prefiro ser um inseto mesmo a ficar choramingando por homem. — Me sinto orgulhosa da minha coragem.
Ela abre a boca, olha para a amiga, a amiga dela abre a boca também, e aí, sem nenhum aviso prévio, me empurra.
— Eu não estava choramingando, sua estúpida!
O empurrão não é forte, nem violento. Não parece que ela quer me dar uma surra aqui mesmo. O único problema é que, pega de surpresa, me desequilibro e me choco contra algo.
Algo não, alguém.
As duas dão risada, isso já era esperado. Mas outras pessoas no refeitório começam a rir também então me viro depressa.
Uma bandeja revirada, um copo caído e uma blusa branca manchada de amarelo.
Coloco as duas mãos na boca ao mesmo tempo em que olho no rosto da pessoa.
É Lia, minha colega de sala.
Eu já sei que estou ferrada só por sujar a blusa dela. Mas é ao ver sua expressão ameaçadora que entendo que minha vida corre perigo.
Não sei como reagir.
Tento arrumar a bandeja? Tento limpar a roupa dela? Tento pedir desculpas? A própria garota me dá dica do que fazer quando seus olhos injetados de ódio me fulminam: é melhor correr.
Devagar, dou dois passos para trás, no terceiro me viro e saio correndo.
Eu mal vejo as pessoas pelo caminho. Esbarro em alguém que reclama, mas não paro para me desculpar.
Perto da saída do refeitório, meus olhos são assaltados por uma fisionomia familiar e, por puro reflexo, olho na direção da pessoa.
É o garoto de olhos avelã.
Olhando para mim.
Parece que consegui fazer com que ele me visse, afinal.
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O garoto dos olhos avelã
Novela JuvenilGraziella tem uma imaginação para lá de fértil, vive no mundo da lua e, por vezes, acaba se enfiando em situações embaraçosas. Sem planos de se apegar à nova cidade, ela sabe que a promessa de permanência do pai é daquelas que não se deve levar à sé...