Sentada no sofá, de braços cruzados, encaro meus pais sentindo meu corpo queimar de raiva. Para onde foi a felicidade pelo reencontro de três minutos atrás? Agora só há olhares repreensivos.
— Por que saiu andando sozinha em uma cidade completamente desconhecida? Você perdeu o juízo, Graziella?!
— Juízo é uma coisa que Grazy nunca teve — meu pai debocha.
Lanço um olhar raivoso para ele.
— Mas você não foi me buscar!
— Que história é essa? É claro que fui buscar você. Com um pouco de atraso, mas eu fui — ele se defende.
— Devia ter esperado, Graziella! E por que não ligou?
— Esqueceu que aquele idiota esmagou meu celular?!
— Do que você está falando? — ela coloca as mãos na cintura.
Abro a boca para falar, mas sou interrompida pela declaração do meu pai:
— Você está de castigo.
Incrédula, encaro-o sem saber o que dizer.
"Isso não é justo!", fica preso em minha garganta, pois é a frase oficial de adolescentes e eu não quero ser ainda mais desmoralizada.
Arranco minha mochila do sofá e saio pisando duro.
— Não sei como pode ficar mais castigativo que a minha vida já é! — grito das escadas.
Afinal, que castigo é esse que ele me colocou? Sem celular? Sem sair de casa? Então não muda nada em minha vida.
Ao chegar no quarto, reproduzo a cena que detesto em filmes adolescentes: bato a porta com força.
Me jogo na cama de barriga para baixo, enterrando o rosto no travesseiro, e é assim que adormeço.
•
Batidas suaves na porta me fazem despertar em meio à escuridão do quarto.
— Grazy? — A voz do meu pai chama. — Filha, queria conversar com você. Está acordada?
Viro o rosto para o outro lado e tento continuar o sonho maluco em que o garoto dos olhos avelã apareceu à porta da minha casa e perguntou se eu queria dar uma volta na viatura dele.
•
O dia seguinte começa mais normal do que eu podia imaginar: minha mãe lendo notícia no tablet, meu pai no celular e eu de cara feia por ter acordado cedo.
— Tô pronta para ir — anuncio de mal humor.
Ambos erguem os olhos para mim. Os da minha mãe se arregalam para os farrapos que estou vestindo.
— Não vai tomar café? — questiona meu pai, conferindo o relógio de pulso por puro hábito, pois a tela do celular em sua mão mostra as horas de forma bem mais fácil.
Sigo para a porta, sem responder à pergunta dele.
Escuto uma cadeira se arrastando no piso, depois o som de beijo.
— Tchau, querida — ele se despede.
— Tenta não se atrasar para buscá-la, meu bem — ela responde.
— Infelizmente, não tem jeito. Descobri que meu horário não bate com o de Grazy.
Me viro imediatamente.
— O que?!
— Filhota, você vai ter que me esperar um pouco mais todos os dias. Tudo bem? — ele pega as chaves do carro na mesa de centro em vem em minha direção.
— Quer dizer que vou ficar na escola até tarde?! — protesto.
Meu pai para na minha frente e abre a porta.
— São só alguns minutos, Grazy — ele segue para fora.
— Eu não posso pegar ônibus?
— Que ônibus, Graziella? Pra você se perder?
Me viro para ela de boca aberta. Minha mãe está me chamando de incapacitada?
— Vem comigo ou não, filhota? — meu pai chama chegando ao carro.
Sem nenhum motivo aparente, meus olhos se direcionam para a casa do outro lado da rua e eu me lembro do sonho esquisito com o garoto.
•
Assim que coloco os pés no corredor do terceiro ano, sinto o pressentimento de que terei um dia e tanto.
Não um pressentimento na forma de superpoder, como o sentido de aranha de Peter Parker, mas sim um indicador factível.
Um GRANDE indicador, para ser justa. E ele começa com a letra "o" de o-garoto-de-olhos-avelã.
Primeiro fico em dúvida se é ele e apresso os passos para chegar mais perto. Mesmo que ele esteja de costas, consigo reconhecer seus espessos cabelos pretos.
Talvez se eu ficar visível para ele na saída da escola, ele me ofereça carona. Então decido que vou tentar fazer com que ele me veja hoje.
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O garoto dos olhos avelã
Ficção AdolescenteGraziella tem uma imaginação para lá de fértil, vive no mundo da lua e, por vezes, acaba se enfiando em situações embaraçosas. Sem planos de se apegar à nova cidade, ela sabe que a promessa de permanência do pai é daquelas que não se deve levar à sé...