Tenho a impressão de que minha vida só acontece quando estou na faculdade, pois é o único local em que meu namorado interage comigo e também o único local onde vejo, ainda que de longe, minha melhor amiga.
O trabalho na livraria consegue ocupar um pouco minha mente e foi essa distração que me ajudou a aguentar o resto do dia de ontem e me impedir de ficar remoendo a discussão com Luke.
Sentada no fundo da sala, rabisco a última folha do meu caderno, onde há vários desenhos do símbolo do infinito.
A aula está acontecendo lá na frente, mas não escuto uma palavra sequer, pois passei a última hora sentindo raiva de Luke.
Julia está sentada ao lado dele e ela já trocou mais palavras com ele hoje do que eu troquei na semana inteira.
Lia está em uma cadeira da frente. Ela tem estado sempre muito concentrada nas aulas. Parece que o fim da nossa amizade não a abalou como me abalou.
A aula acaba, mas não me levanto. Sei que essa sala fica vazia no segundo horário e ficarei aqui até dar a hora de ir para a terceira aula, já que meu segundo horário é livre dia de hoje.
Luke e eu costumávamos usar esse segundo horário para estudar juntos na biblioteca, mas não acho que ele virá me chamar para ir para lá, já que o clima está estranho entre nós desde a discussão de ontem no refeitório.
Vejo ele se levantar e desvio os olhos para meus rabiscos, mantendo a cabeça baixa. Meus cabelos soltos caem para frente, algumas mechas em cima do caderno, fazendo uma cortina em meu rosto.
Com a visão baixa, registro um par de sapatos masculinos se inserindo no meu campo de visão.
— Grazy — chama, mas não levanto a cabeça, continuo fazendo traços aleatórios no papel, até que sinto uma mão nos meus cabelos, colocando-os atrás da minha orelha.
Interrompo a ponta do lápis, pois meus sentidos ficam em alerta com a confusão que se instaura no meu coração ao sentir o toque gentil dele.
Eu te amo tanto, Luke...
Mas preciso manter alguma dignidade se quiser que ele pare de me ver como uma menininha ingênua que sempre perdoa tudo. Não posso simplesmente me atirar nos braços de Luke depois de ele me negligenciar tanto.
A mão dele alcança a minha bochecha e meu coração dispara. Luke gentilmente ergue meu rosto até poder olhar em meus olhos.
Assim que encaro seus olhos avelã, meu coração se parte. Há muita dor nos olhos dele.
— Quer estudar comigo? — Luke acaricia minha bochecha com o polegar.
Que eu quero dizer sim e pular nos braços dele, é um fato incontroverso.
Mas eu também quero manter o mínimo de dignidade. Luke não pode se afastar e se aproximar quando for conveniente.
Encaro seus olhos em silêncio, tentando tomar coragem para dizer 'não' e percebo o quanto isso é injusto.
— Luke! Vamos, a gente tem que estudar para a prova! — Julia para ao lado dele.
Eu não repararia no notebook que ela abraça contra o peito se ele estivesse com a tampa virada para si, mas a tampa está virada para a frente, e o adesivo capta a minha atenção.
Fui eu quem colei esse adesivo de morango na tampa, pois o notebook pertence a Luke.
— Grazy, você vai estudar com a gente, né? — Julia sorri para mim.
Afasto a mão de Luke, fecho meu caderno e me levanto, enfiando minhas coisas na mochila de qualquer jeito.
— Eu prefiro tirar zero na prova que estudar com você — digo sem direcionar a nenhum dos dois, pois serve para ambos.
— Grazy — Luke segura o meu braço, interrompendo minha saída.
— Me solta, Luke — puxo meu braço de sua mão, mas ele não solta. — Vai estudar com a sua amiguinha, já que você tem mais assunto com ela que comigo.
— Do que você está falando? — Luke franze as sobrancelhas.
— Ai, Grazy, você está tendo crise de ciúmes? Isso é tão imaturo — ela revira os olhos.
Meu sangue ferve nas veias e sinto vontade de pular em cima dela, mas lembro que Luke está assistindo Julia falar desse jeito comigo e não me defende.
— Eu já disse para me soltar! — grito, puxando o braço com toda a minha força, mas Luke não estava preparado para o puxão e vem junto. Minha mochila, pendurada em um ombro só, cai no chão.
Ainda há algumas poucas pessoas saindo da sala, e elas estão olhando para mim.
Meu rosto queima pela humilhação e pela raiva.
— Graziella, se acalma — Luke diz, ainda sem me soltar.
— Ela perdeu o controle — Julia coloca a mão na boca, com cara de horror.
Coloco uma mão no peito de Luke e o empurro.
— O que está acontecendo com você? — ele tenta se aproximar.
— Luke, solta o meu braço, você está me machucando! — minto, mas funciona, pois ele me solta imediatamente.
Sinto uma mão diferente em minhas costas.
— Grazy, você está bem? — pergunta Adrian em tom de preocupação, surgindo ao meu lado.
Luke pega a minha mão com tanto cuidado quanto se estivesse segurando uma porcelana fina.
— Eu te machuquei? — sua voz está cheia de desgosto, assim como o rosto contorcido.
Me sinto culpada por ter dito isso, ele não estava me segurando com força.
Luke tenta pegar o meu braço para analisar o local onde segurava há pouco, mas Adrian se coloca na minha frente e afasta a mão dele da minha.
— Por que não deixa ela em paz? — Adrian enfrenta.
— O que você tem a ver com isso? — Luke dá um passo à frente com os punhos cerrados.
— Meninos, vocês não vão brigar por causa disso, né? — Julia entra no meio dos dois. — Adrian, Grazy só estava fazendo birra. Não precisa dar uma de herói.
Eu preciso sair daqui. Urgente.
Pego minha mochila do chão e saio depressa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O garoto dos olhos avelã
JugendliteraturGraziella tem uma imaginação para lá de fértil, vive no mundo da lua e, por vezes, acaba se enfiando em situações embaraçosas. Sem planos de se apegar à nova cidade, ela sabe que a promessa de permanência do pai é daquelas que não se deve levar à sé...