56 - Ausentar

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As coisas vão mal.

Uma semana depois de estapear a cara de Lia, ela ainda não está falando comigo.

Luke faltou muitas aulas essa semana e com isso eu quase não o vi. E já que ele estava me excluindo de sua vida, decidi deixá-lo por fora da minha também. Mas isso resultou em um distanciamento doloroso, ao menos para mim.

Com a ausência de Luke, Julia se afastou. Não percebi imediatamente o motivo de seu distanciamento, mas começou a fazer sentido depois de receber a terceira recusa ao meu convite de estudar em minha casa. Todas as vezes em que convidei ela fez perguntas indiretas sobre Luke, até eu entender que ela só queria ir se ele estivesse lá.

Talvez fosse pelo fato de Luke ser bom e cálculos, mas ainda assim me senti usada. Indiretamente usada, já que eu só servia como ponte.

O trabalho em equipe composto por Luke, Adrian, Julia e eu, virou uma equipe de dois, pois Luke não apareceu e Julia ficou apenas por dez minutos e foi embora, dizendo que estava se sentindo mal.

Com a mão de obra reduzida, teremos que trabalhar até tarde.

Para a minha sorte, Adrian também é muito bom em cálculos, tão bom quanto Luke, então ele assumiu essa parte. Eu assumi toda a parte de pesquisa bibliográfica. Descobri que o pai de Adrian é um grande engenheiro e por isso a biblioteca da sala dele é um sonho para todo estudante de engenharia.

Em três horas seguidas de trabalho árduo, fizemos uma pausa para comer. A pizza chegou e nos sentamos na mesa de vidro na varanda.

— Você estava mesmo com fome — Adrian ri ao testemunhar o dragão que me transformei.

— Olha quem fala — devolvo, apontando para seu terceiro pedaço de pizza.

— Estamos trabalhando por quatro pessoas. Temos que comer por quatro.

Concordo com a cabeça, dando uma grande mordida na minha fatia.

— Você carregou a equipe nas costas — reconheço.

— E você também.

— Mas você fez todos os cálculos, eu fiz a parte fácil.

— Fácil? Você fez a parte mais insuportável de todas. Para que os professores colocam alunos de engenharia para ler tanta bibliografia sem futuro?

— Insuportável é fazer cálculos! Fazer levantamento bibliográfico é tão prazeroso! — defendo.

— Não conheço ninguém da área de exatas que pensa assim. Tem certeza de que você não é de humanas?

Dou de ombros, enchendo a boca de pizza.

— Faz sentido o que a sua amiga disse, sobre você devorar os livros na livraria em que trabalha — relembra, rindo.

Minha boca para de mastigar diante do nó que se forma em minha garganta. Meus ombros caem.

O sorriso de Adrian some.

— Desculpe, eu disse algo errado?

Coloco a pizza de volta na caixa.

— Não, não foi você. É que... acho que ela não é mais minha amiga.

— Aconteceu alguma coisa?

— Mais ou menos. Mas não tem importância — balanço a cabeça.

— Se quiser falar, eu sou um bom ouvinte — ele me dirige um olhar gentil e compassivo.

— É complicado demais — digo, achando que ele iria perder o interesse, mas ele continua me olhando atento, aguardando a continuação. Isso me encoraja. — Bom... acho que Julia nunca quis a minha amizade realmente. Ela só quer estudar comigo quando Luke está junto, porque ele é bom em cálculos. E como ele ficou meio distante essa semana, ela se afastou também.

Devo estar mesmo muito carente, pois acabo de me abrir com Adrian.

— Eu notei que ele faltou as aulas — Adrian comenta e eu fico surpresa por ele ter reparado nisso.

Sua participação interessada me faz querer continuar o assunto.

— É, mas não sei o motivo — encolho os ombros.

— Por isso você andou tão para baixo essa semana — novamente o olhar compassivo.

Mais uma vez fico surpresa. Então ele também notou isso? Sinto a necessidade de explicar.

— Não só por isso. Lia está ignorando a minha existência — minha voz treme e percebo que não deveria estar ocupando os ouvidos dele com meus problemas pessoais.

— Isso seria impossível de não reparar. Vocês estavam sempre juntas, mas nos últimos dias só te vi sozinha e com o semblante triste.

É porque me sinto sozinha e triste...

Minha garganta se fecha e meus olhos se alagam. Sem que eu consiga impedir, uma lágrima escorrega dos meus olhos.

Abaixo a cabeça e coloco as duas mãos no rosto, para que ele não veja minhas lágrimas escorrendo. Não acredito que estou chorando na frente de Adrian.

Fico assim por cerca de um minuto e ele permanece em silêncio. Quando consigo me recompor, passo o dorso da mão no rosto para tentar apagar o choro, morrendo de vergonha pela cena.

Adrian estende um guardanapo para mim.

— Obrigada — aceito, secando as lágrimas com o guardanapo.

— Sinto muito por todas essas coisas que você está passando — diz em tom baixo e solidário.

— Desculpa pelo desabafo, você não precisava ouvir essas coisas — digo envergonhada.

— Mas você precisava colocá-las para fora. Não se sente um pouco aliviada?

— Sim, muito aliviada, na verdade.

— Eu posso terminar de formatar o trabalho se você quiser ir para casa descansar.

— Não! Você já fez demais — me levanto. — Vamos, se não o dia nasce e não teremos terminado.

Por volta de uma da manhã, Adrian para o carro na frente da minha casa.

Ele sai do veículo para me acompanhar até a porta por causa do horário, apesar de eu não ver perigo. Mas aprecio seu gesto de cavalheirismo.

Dessa vez, não fico em dúvida de como devo me despedir dele.

— Boa noite, Adrian — digo ao abraçá-lo.

— Boa noite, Graziella — ele me abraça de volta.

Nos afastamos do abraço.

— Grazy — corrijo, abrindo a porta de casa.

— Boa noite, Grazy — ele sorri e se afasta de costas, esperando até que eu entre e feche a porta.

Pela primeira vez nessa semana, vou dormir sem sentir o coração tão pesado.

O garoto dos olhos avelãOnde histórias criam vida. Descubra agora