21 - Estragando

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Não consigo acreditar nas palavras que saíram da minha boca.

E pelo visto, Luke também não, pois me encara inexpressivamente.

Já estou arrependida, ainda mais por ter soado como uma exigência. Mas não há como voltar atrás, então o que resta é tentar amenizar o tom das minhas palavras para não parecer que estou exigindo explicações.

— Bom... queria saber o que há entre vocês dois.

A ausência de expressão no rosto dele é a pior parte, pois não dá para saber se está surpreso, chateado ou com raiva.

— Não há nada — diz em tom de neutralidade.

Se está neutro, é bom sinal. Tomo isso como motivação para prosseguir.

— Luke, não precisa tentar esconder, eu já sei que aconteceu alguma coisa — insisto.

— Sabe mesmo? Ou andou dando ouvidos para historinhas na escola? — Não há mais neutralidade, o tom sarcástico na voz dele chega a ser ácido.

Luke deve estar achando que, em sua ausência, andei bisbilhotando fofocas sobre sua vida. Deve me achar igualzinha àquelas pessoas fofoqueiras da escola.

Sinto a urgência de explicar que foi em uma conversa decente com Lia que fiquei sabendo, mas não vou jogar Lia na linha de fogo para me defender. Então apenas digo:

— Essa não é a questão...

— Então qual é a questão, Graziella?

Dessa vez o tom de voz dele é duro, assim como seu olhar. A decepção que vejo no rosto de Luke quebra algo dentro de mim. Ele não está apenas chateado; está decepcionado.

Acabo de mostrar que sou uma grande intrometida que não sabe respeitar a privacidade dele, ou aceitar quando ele claramente não quer falar sobre algo. E que sou um abutre de fofoca. Luke deve estar me odiando.

A vergonha que sinto de mim mesma é descomunal.

— Me desculpa, Luke. Eu não devia... eu... é... Acho melhor eu entrar. — Então me viro e atravesso a rua depressa.

Na escuridão do quarto — iluminado apenas pela luz azul da tela do meu celular desbloqueado ao lado do travesseiro — deixo o arrependimento me abraçar, enquanto espero por uma mensagem de Luke que nunca chega.

A tela se apaga pela vigésima vez e eu viro o rosto para o outro lado, desistindo.

Adormeço com uma única certeza:

Eu estraguei tudo.

O meu primeiro pensamento ao despertar com um barulho vindo da sacada é:

Tem um bandido tentando invadir minha casa para roubar tudo.

Agarro o celular e me levanto depressa.

Decido não acender a luz, isso pode fazê-lo se desesperar ao ver que tem alguém acordado. Tenho que ser esperta e agir rápido, então desbloqueio a tela para discar o número da polícia.

Ouço o som discreto de algo acertando a porta, como se o bandido estivesse jogando alguma coisa pequena, como se estivesse lá embaixo e...

— Polícia Militar, qual é a sua emergência?

Desligo imediatamente e corro para abrir a porta da sacada.

Assim que vejo quem é o bandido jogando pedras em minha porta, meu coração dispara.

— O que você está fazendo? — pergunto baixo, e, como a rua está em total silêncio às duas da manhã, ele consegue me escutar.

— Repetindo cena de uns trinta mil filmes idiotas — Luke responde na mesma altura.

Fico olhando para ele, embasbacada, terrivelmente apaixonada.

— Prefere jogar as tranças ou que eu lance uma teia para subir?

Então me dou conta de que estou parecendo uma idiota aqui parada olhando para ele, quando já deveria ter descido.

— Estou indo — respondo baixinho e saio da sacada.

Uso a lanterna do celular ao atravessar o corredor e descer as escadas na ponta dos pés, para não acordar meus pais.

Na sala, deixo o celular no sofá e me encaminho para a entrada, nervosa.

Ao abrir a porta, encontro Luke há dois passos de distância, com as mãos enfiadas no bolso da calça de moletom. Os cabelos estão desgrenhados e a camisa amarrotada. Ele acordou no meio da madrugada e quis me ver? Mas ele não me odeia?

Fecho a porta atrás de mim ao sair e sinto uma rajada de vento frio, que me faz cruzar os braços para me proteger.

Com os dois passos nos distanciando, nos encaramos em silêncio.

O rosto de Luke está sério demais, então corrijo o pensamento de que ele acordou e quis me ver, ele apenas não podia esperar até o dia seguinte para "terminar" comigo, pois veio fazer isso agora mesmo.

— Achei que você fosse um bandido e liguei para a polícia — tento puxar assunto, talvez ainda possamos ser amigos.

O rosto dele continua sério.

— Parece que você tem um longo histórico com a polícia.

Me lembro do dia em que ele me viu chegar em casa dentro de uma viatura e meu rosto esquenta de vergonha.

Ainda bem que a árvore na frente da minha casa bloqueia parcialmente a iluminação do poste, dessa forma Luke só pode contar com a luz da lua para enxergar meu rosto avermelhado.

— Podia ter me ligado ao invés de vandalizar minha porta — tento manter a voz baixa, já que estamos no meio da madrugada, mas acaba saindo em tom de neutralidade.

— É mais fácil ignorar uma ligação do que um ataque à porta em plena madrugada.

Luke achou mesmo que eu ignoraria uma ligação dele?

Eu sou a errada aqui, não tenho motivos para estar brava com ele.

Me dou conta de que meus braços cruzados demonstram uma postura fechada. E meu tom de voz também não está muito amigável.

Descruzo os braços.

Um momento de silêncio se instala entre nós enquanto busco algo para dizer.

A rua está absolutamente silenciosa, exceto pelo som ocasional das folhas das árvores sendo chacoalhadas pelo vento.

— Não é perigoso ficar na rua a essa hora? — digo a primeira coisa idiota que me vem à mente, apenas para continuar a conversa.

— Eu sou a coisa mais perigosa por aqui — diz sério.

Um sorriso me escapa. Luke parece gostar do sorriso, pois a seriedade em seu rosto diminui.

— Achei que você fosse um super-herói.

— Posso ser vilão também. Um bem malvado.

Outro sorriso me escapa.

— Agora virou Meu Malvado Favorito — reviro os olhos.

Ele ergue uma sobrancelha.

— Virei?

Então percebo que minha frase soou como se eu estivesse dizendo que ele é o meu malvado favorito.

— É só o título de um filme — explico meio sem jeito.

Ele dá um passo à frente.

— É só isso mesmo?

Dou o último passo que nos separa e respondo:

— Não.

Luke segura meu rosto entre as mãos e me beija.

O garoto dos olhos avelãOnde histórias criam vida. Descubra agora