80 - Desistir

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O primeiro passo para encontrar uma nova versão de mim mesma foi ir até a secretaria e pedir para mudar o meu setor de estágio. Eu não iria mais me submeter à frieza cortante do tratamento de indiferença de Luke.

Dois dias trabalhando juntos após nossa discussão no dormitório e a atmosfera pesada e tensa começou a me sufocar. Luke estava mais frio que nunca, uma pedra de gelo, dura e intangível. As tardes foram insuportáveis. Eu precisava de um espaço para respirar, para encontrar meu equilíbrio emocional.

Fui remanejada para a secretaria do colegiado. A mudança proporcionaria uma distância física de Luke, mas eu sabia que não seria o suficiente para afastar as lembranças e as emoções.

Ao iniciar meu novo trabalho na secretaria, tentei focar nas tarefas diárias, mas as lágrimas, por vezes, insistiam em nublar minha visão. Eu as engolia, resistindo ao impulso de ceder à tristeza.

Eu precisava desesperadamente preservar o que restava de minha sanidade emocional.

Acordar de manhã para ir para a faculdade tornou-se um verdadeiro pesadelo. Meus pais voltaram a falar sobre eu ver uma psicóloga e eu, para tranquilizá-los, disse que pensaria a respeito.

Cada dia era uma batalha interna, uma luta contra a melancolia e a dor que ameaçava me consumir.

Adrian também passou a demonstrar uma preocupação exagerada, mas respeitava o meu espaço quando eu pedia para ficar sozinha.

Já Lia, essa não desgrudava por nada. Lia estava sempre por perto, parecendo pronta para me segurar. Será que eu parecia prestes a cair?

Até no estágio ela aparecia "apenas para checar", em suas palavras. No segundo dia no novo posto, ela inventou de me ajudar quando minha supervisora não estava por perto, mas fez uma bagunça nos arquivos e eu quase tive problemas por causa disso.

Irritada, pedi para ela não aparecer mais. Mas ela não deu a mínima e apareceu no dia seguinte também, se metendo em querer me ajudar e fazendo bagunça de novo. Até que uma coisa aconteceu e eu entendi seu interesse em fuçar os arquivos confidenciais dos alunos.

Lia me arrastou para a saída do prédio de saúde e me fez ficar escondida espiando algo que até então eu não tinha ideia do que se tratava.

Foi ao ver Victória sendo levada pelo braço por um homem mais velho que percebi que Lia havia aprontado.

— Isso, seu Jonas, despacha essa uva podre para os Estados Unidos — Lia bateu a poeira imaginária de uma mão na outra, satisfeita.

— Lia... — comecei, incrédula, tentando entender.

Ela levantou um dedo para me silenciar.

— Antes que você me bombardeie com perguntas idiotas, vou logo te contar. Aquele — ela apontou para o homem que se afastava com Victória — é o pai de Viví. E aquela — Lia mudou a direção do dedo — é a mais nova mamãe solo. Isso mesmo. Ela está grávida e nem ao menos sabe quem é o pai. Suspeita que seja de um cara que mora nesta cidade e que estava fazendo intercâmbio nos Estados Unidos, pois transou com ele em uma rave, mas não sabe como encontrá-lo e nem tem certeza se o filho é dele. A amiguinha dela, Jenifer, me contou tudo — Lia lançou as informações de uma vez, me bombardeando sem piedade.

— Você foi ver Jenifer?! — questionei, ainda sem saber em qual informação focar.

Lia revirou os olhos.

— Essa parte não é importante. É muito óbvio, na verdade. Elas sempre foram como carne e unha, só que Jenifer não é amiga de ninguém, não é do tipo de pessoa que você pode confiar um segredo. Então essa parte foi fácil — ela soprou a unha, parecendo orgulhosa de si mesma. Depois me lançou um olhar mortífero. — A parte difícil foi conseguir o contato do pai dela, já que a senhora responsável aí não me deixava acessar os arquivos digitais do computador da secretaria.

O garoto dos olhos avelãOnde histórias criam vida. Descubra agora