Como se o sono tivesse sido apenas um intervalo desde o meu último pensamento da noite anterior, acordo no mesmo pensamento: Luke.
Meu celular informa que são seis da manhã e sinto uma felicidade imensa por ter aposentado a carreira de corredora profissional. Primeiro porque eu não aguentava mais aquele sofrimento físico extremo, segundo porque terei mais tempo de me arrumar para a escola.
Reviro o guarda-roupa e não encontro nada digno. Talvez seja um bom momento para aceitar o convite de compras no shopping com meu pai. E isso não tem nada a ver com quem vai me ver bem vestida ou não.
De repente, sinto uma vontade incontrolável de tomar ar puro e decido abrir a porta da sacada para deixar o vento fresco da manhã entrar. Aproveito que já estou perto da sacada e saio um pouco, só para sentir melhor a pureza do ar, só por isso mesmo.
Por acaso, meus olhos vagam pela rua e sem querer acabam encontrando a janela da casa do outro lado.
A janela está aberta.
Por que a janela está aberta?
Mas isso não é da minha conta, então só estou me esticando sobre a mureta da sacada para enxergar melhor o ninho de passarinho na árvore do outro lado da rua.
O ninho está arrumado, mas não vejo ele. Quer dizer, não vejo os passarinhos no ninho. Será que eles saíram para correr? Digo, para voar.
Sinto uma preocupação genuína pelos pobres passarinhos e me inclino ao máximo para ver melhor o quarto deles, quer dizer, o ninho deles.
Não enxergo nada, fico frustrada. Me inclino um pouco mais, meu corpo já todo para frente.
— Tá tentando se jogar, Grazy?
Levo um susto tão grande que quase caio mesmo.
Avisto meu pai segurando um regador, molhando as plantas do jardim.
— Pai! — exclamo, irritada. — Você me assustou!
— Não amasse as flores, querida! — ele exclama de volta, apontando os girassóis onde eu cairia e provavelmente MORRERIA. Mas ele parece mais preocupado com eles do que com sua única filha.
Fecho a cara para ele, que me responde com um tchauzinho e entra em casa.
Volto para o quarto antes que mais alguém me flagre bisbilhotando a vida do vizin... passarinho.
Sem nenhum motivo, lembro da sensação dos lábios de Luke sobre os meus e sorrio.
Os lábios dele são tão macios, tão bons. Eu poderia passar horas beijando a boca de Luke. E, de fato, foi o que fiz ontem à noite.
Sem nenhuma justificativa, meu coração se acelera. Uma agitação estranha atinge o meu estômago. Acho que estou doente.
Talvez seja melhor eu pesquisar os sintomas na internet. Devo estar com alguma doença rara. Será que vou morrer? Mas ainda nem amei ninguém. Me sento na frente do computador quase chorando.
Alguns sites dizem que posso estar tendo um ataque cardíaco. Outros que estou tendo um AVC.
Será que as pessoas levarão flores?
Será que Luke vai chorar?
Ouço o toque do meu celular e corro para atender, sabendo que essa pode ser a última vez que falo com alguém ao telefone.
Ao ler o nome do contato, meu coração dispara tanto que tenho certeza de que os sites estavam certos e a minha morte está próxima. Me sento na cama e atendo depressa para dar tempo de ouvir a voz dele uma última vez antes de partir deste mundo.
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O garoto dos olhos avelã
Teen FictionGraziella tem uma imaginação para lá de fértil, vive no mundo da lua e, por vezes, acaba se enfiando em situações embaraçosas. Sem planos de se apegar à nova cidade, ela sabe que a promessa de permanência do pai é daquelas que não se deve levar à sé...