52 - Desinteressar

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Em um dos episódios aleatórios da minha vida, olho para Adrian, o loiro metido, sentado ao meu lado na mesa de sua cozinha.

Ele está na frente no notebook me passando as instruções para a realização do trabalho em equipe, da parte que coube a nós dois. Uma equipe de quatro pessoas, formada por Adrian, Luke, Julia e eu, pois Lia saiu da equipe depois da briga com Julia.

No dia da formação de equipe para esse trabalho, Julia convidou Adrian, por isso ele faz parte do nosso grupo.

Agora, Julia está na varanda da casa e nós dois estamos sozinhos. Ela disse que preferia fazer sua parte lá fora por causa do calor. Isso não fez muito sentindo, já que a noite está fresca.

Quando fui lá fora e perguntei por que ela estava me deixando sozinha com Adrian, sua resposta foi:

— Ah, é que você diz que ele é metido e que não gosta dele. Achei que era a sua chance de conhecê-lo melhor e ver como ele é incrível — e sorriu alegremente.

Luke foi outro que me abandonou nessa situação. Ele ficou pouco tempo conosco, antes de receber uma ligação que o fez sair às pressas. Disse que voltaria para me buscar, mas Adrian se ofereceu para me levar em casa.

Agora, mesmo tendo passado mais de uma hora sentada ao lado de Adrian, continuo não gostando muito dele.

Como ainda há muito trabalho a ser feito, interrompemos as atividades às oito da noite e decidimos marcar para terminar outro dia.

Ao entrarmos no carro de Adrian, Julia insiste que eu vá na frente com ele.

— Eu vou usar todo o banco de trás para tirar uma sonequinha — ela dá um bocejo pouco convincente.

Mas não acontece soneca alguma, o que ela faz é falar bem de mim para Adrian durante todo o trajeto.

— Essa garota parece inofensiva, mas ela já leu absolutamente todos os livros da livraria em que ela trabalha.

— Uau! — exclama admirado, me olhando por meio segundo.

Afundo no banco, envergonha, tentando esconder o rosto atrás do cabelo.

Ela continua com os elogios até que, para o meu alívio, chegamos em sua casa.

Contudo, o alívio dura pouco, pois fico desconfortável sozinha no carro com Adrian.

Não sei se puxo assunto ou se permaneço calada. Opto pelo silêncio e ele faz o mesmo.

Quando entramos no meu bairro, fico ansiosa. Me ajeito no banco ao perceber que estamos quase na rua de Luke.

Adrian nota minha agitação.

— Algum problema?

— Não. É... não é nada — olho pela janela, vendo que falta pouco para passar na frente da casa de Luke. — A minha rua é a próxima — instruo.

Vejo que a luz da janela do quarto de Luke está apagada, mas a do quarto de Mila está acesa. Será que ela está aqui?

Desconsidero esse pensamento, pois sei que, se Mila estivesse na cidade, ela me diria. Nossa relação é como de irmãs, nos falamos com frequência e sei que está tudo bem com ela.

Então deve ter outra pessoa na casa, algum familiar que veio visitar. Me inclino um pouco mais, tentando enxergar algo.

Adrian diminui a velocidade e eu agradeço mentalmente pela gentileza. Seu gesto me faz querer explicar.

— É a casa de Luke — digo.

Ele diminui a velocidade ainda mais.

Inevitavelmente, o carro segue pela rua e eu perco a visão da casa.

Endireito-me no banco e olho para ele de canto de olho, me sentindo um pouco envergonhada.

— É que fiquei preocupada com o jeito que ele saiu da sua casa — explico.

— Quer que eu dê a volta e te deixe lá? — os olhos dele param no meu colar e me dou conta de que, inconscientemente, estava traçando o infinito com o dedo polegar.

Abaixo a mão para o colo.

— Não precisa. À esquerda — instruo novamente ao chegarmos na esquina.

Ele assente e entra em minha rua.

— É aquela — indico e Adrian segue até parar na frente da minha casa.

Pego a mochila aos meus pés depressa. Sinto os olhos dele sobre mim e isso me deixa nervosa, assim acabo me atrapalhando com a maçaneta.

Adrian se inclina para abrir para mim. O braço dele roça no meu e isso me deixa ainda mais atrapalhada. O cheiro de perfume que passei a última hora sentido toma conta do meu olfato.

A porta se abre, mas não saio imediatamente, na dúvida se devo me despedir com um beijo no rosto, como Julia fez minutos atrás, se aperto a mão dele ou se apenas sorrio.

Acabo pulando para fora do carro e escolhendo a opção mais mal-educada: a de apenas sair.

— Obrigada pela carona — digo já me afastando, sem olhar diretamente em seus olhos.

— Até amanhã — ele fala, mas não respondo.

Ao entrar em casa, sinto o celular vibrar no bolso e o pego imediatamente. Meu coração acelera ao ver que é uma mensagem de Luke.

— Oi filha, estávamos te esperando para pedir o jantar — a voz do meu pai me faz levantar a cabeça. Ele e minha mãe estão sentados no sofá dividindo uma garrafa de vinho.

Meus pés já estão apressados a caminho do quarto e eu não os interrompo.

— Não tô com fome. Boa noite! — Subo as escadas correndo.

Uma vez dentro do quarto, não me preocupo em ligar a luz antes de desbloquear a tela do celular para ler a mensagem.

"Oi, minha flor. Desculpe não ter ficado com vc hoje. Uma pena perder a visão de vc de short curto. Estava tão linda"

Digito de volta:

"Tá tudo bem? Fiquei preocupada. E ainda tô..."

Encaro a tela do celular, apertando-o entre os dedos, enquanto espero ele responder. Cinco minutos se passam e a resposta não chega. Solto um suspiro de frustração e deixo minhas costas escorregarem pela porta atrás de mim, até sentar no chão.

A tela do meu celular se apaga, me deixando em um completo breu.

Escondo o rosto nos joelhos dobrados e aperto os olhos.

Com certeza tem algo acontecendo, mas Luke não confia em mim o suficiente para compartilhar. Talvez ele não me ache digna de saber de sua vida, afinal, já faz um bom tempo que eu tive qualquer contato com sua família.

Minha garganta se fecha.

Um lado me faz querer chorar de preocupação por achar que Luke está passando por problemas graves. Outro lado sente raiva por ele não me permitir fazer parte de sua vida.

E a terceira parte, uma parte oculta que tenho soterrado com muita força de vontade, acha que Luke não está mais tão interessado em mim.

Minhas pálpebras captam a luminosidade repentina no quarto ao mesmo tempo que minhas mãos sentem a vibração.

Desbloqueio a tela depressa.

"Não quero que se preocupe. Garanto que não há motivos para isso. Por favor, tente se concentrar em continuar sendo essa menina doce. Boa noite"

Boa noite?! Mas eu quero conversar mais!

Deixo o celular no chão e corro para a cama, enfiando a cara entre os travesseiros para abafar o choro.

O garoto dos olhos avelãOnde histórias criam vida. Descubra agora