Lia está sentada ao meu lado na mesa da cozinha, fazendo sua parte do trabalho.
Estamos montando uma linha do tempo sobre a Segunda Guerra Mundial e acho que não foi boa ideia ter deixado Lia com a parte de recortar as imagens impressas, pois agora ela tem uma arma em mãos e pode usá-la contra mim.
Tudo bem que uma tesoura de ponta redonda não é a arma mais letal do mundo, mas tem gente por aí que mata três usando apenas um lápis, não é?
Minha parte é colar os recortes no cartaz, mas estou tão tensa que não consigo alinhar as imagens direito.
Estou na terceira tentativa de colar a imagem da invasão da Polônia e o papel está ficando estragado.
Os olhares feios que Lia lançou para o meu trabalha malfeito só me deixaram ainda mais nervosa.
Minhas mãos até tremelicam pela tensão enquanto encosto o papel com todo o cuidado, lentamente, fazendo uma prece mental para que dessa vez dê certo e...
— Buh!
— AHHH! — grito e a imagem cai da minha mão de qualquer jeito no cartaz.
Lia dá uma gargalhada alta.
— Por que fez isso? — pergunto baixo, retirando depressa a imagem antes que cole.
— Você tá aí toda se tremendo de medo de mim — ela continua rindo.
— Não tenho medo de você — murmuro sem olhar para ela.
— E vive correndo e se escondendo na escola por quê?
— Pra você não me dar uma surra no meio de todo mundo — minha voz sai mais para dentro que para fora.
— Por você ter estragado a minha blusa favorita?
Estou ciente do olhar dela sobre mim e me sinto tão ridícula pela minha covardia que respiro fundo e tomo coragem para encará-la.
— Olha Lia, aquilo foi um acidente. Eu sinto muito mesmo por ter derramado suco em você.
Ela abana a mão.
— Relaxa, já passou. Além do mais, você me pagou o prejuízo proporcionando entretenimento com suas fugas desastradas — ela ri.
Fico irritada. Eu não sou Patati e Patatá de ninguém!
— Não ri de mim. Já basta aquele ridículo do Luke — murmuro de mal humor, voltando a me concentrar na tarefa.
— Vocês dois estão tendo um casinho, é?
Quase caio da cadeira.
— O QUÊ?!
— Calma, eu só tô tentando confirmar uma fofoca que ouvi — ela ergue as mãos em sinal de inocência.
— Que fofoca?! — meus olhos quase saltam para fora.
— Vocês saíram juntos da escola ontem, pelo que eu ouvi. Isso se espalhou rapidinho — ela diz na maior tranquilidade e volta a recortar uma figura.
— Mas o que tem demais nisso? Ele só me deu carona porque somos vizinhos!
— Você é a novata, então as pessoas falam mesmo. Ainda mais que foi com Luke.
— Como assim 'ainda mais'?
— Ué, ele é o Luke, né? — Ela passa a figura recortada para o meu lado calmamente, como se não tivesse que dar mais detalhes sobre a frase que acabou de dizer.
— Luke é, tipo, popular?
— Eu diria que sim — e continua cortando o papel, sem se importar em dar maiores explicações.
Tomo a folha da mão dela.
— Lia! Você tem que me contar o que significa isso. Como assim 'eu diria'? Me fala logo tudo!
Ela ri da minha curiosidade desenfreada. Mas se compadece e fala:
— Ele é bonito, solteiro e sempre é convidado para todas as festas. O fato de ele não aceitar convite de ninguém só deixa as pessoas com ainda mais vontade que ele vá.
— Por que ele não vai em festas? Ele se acha superior ou algo assim?
Ela dá de ombros.
— Vai ver ele só não gosta mesmo — diz com indiferença, como se ela própria não gostasse.
Fico curiosa e pergunto:
— E você gosta?
— Não mesmo — ela retorce o nariz. — Você gosta?
— Não sei. Nunca fui à uma festa.
— Não está perdendo nada. É só fonte de fofoca.
Ela pega de volta o papel que tomei e continua sua tarefa.
Pego a figura da Polônia, já toda enrugada de cola, e coloco no cartaz. Dessa vez, fica alinhado.
— Eu não ligo para fofocas — comento.
— O problema com fofoca naquela escola é que as pessoas aumentam tanto que até inventam, a ponto de não se saber o que é verdade ou mentira.
De repente um pensamento me atinge e me viro para Lia.
— Tem alguma fofoca sobre Luke? — Nem consigo disfarçar o interesse em minha voz.
Lia olha para mim por um segundo, mas logo volta a se concentrar na tesoura atravessando o papel.
— Tem fofoca sobre todo mundo. O meu conselho é que você ignore todas.
Então há mesmo fofoca sobre Luke?
Bom, se tem, preciso descobrir o que é.
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O garoto dos olhos avelã
Roman pour AdolescentsGraziella tem uma imaginação para lá de fértil, vive no mundo da lua e, por vezes, acaba se enfiando em situações embaraçosas. Sem planos de se apegar à nova cidade, ela sabe que a promessa de permanência do pai é daquelas que não se deve levar à sé...