Quando salvei o número de Natan, me pareceu uma coisa banal. Acho que, naquele momento, minha intenção era poder identificar o contato dele para não atender caso me ligasse novamente.
Mas agora, segurando o celular com uma chamada perdida dele, de frente para Luke, sei que foi a maior burrice da minha vida.
Será que Luke viu a chamada perdida? Pior, será que Luke estava por perto quando o celular tocou?
— Que cara é essa? — Luke pergunta com tom de preocupação.
Aperto o botão lateral rapidamente e cruzo os braços, escondendo o celular.
— Hum... é que... recebi um e-mail da empresa que mandei currículo — minto. — Me rejeitaram.
Abaixo a cabeça, pois não quero mentir olhando nos olhos dele.
Luke gentilmente segura o meu queixo e me faz encará-lo.
— São eles que estão perdendo. Sabe disso, não é?
Luke é tão doce comigo. Ele não merece mentiras. Não dá para mentir encarando esses olhos gentis que demonstram se importar comigo.
Desvio os olhos e caminho até o degrau da frente da minha casa para me sentar, enquanto busco forças internas para contar que Natan tem o meu número.
Luke vem junto e se senta ao meu lado.
— Na verdade... — começo hesitante. — Eu nem queria mesmo trabalhar lá — nem sei onde é lá.
— E onde você quer? — pergunta, interessado.
Pego um graveto e risco linhas imaginárias no chão.
Talvez seja melhor usar esse assunto como fuga. Não preciso falar sobre Natan, basta bloquear o número dele e tudo estará resolvido.
— Eu não tenho muito poder de escolha. Meu currículo é ridículo, não tenho experiência nenhuma.
Minhas linhas imaginárias seguem um padrão de Jogo da Velha e Luke parece perceber isso, pois pega um graveto também e participa do meu jogo. Acho que ele é o "x".
— E nem é para ter. Você acabou de completar dezoito anos e está terminando o ensino médio. O normal é que você não tenha experiências mesmo — diz ele fazendo um "x" em cima de uma casa que eu já tinha feito o meu "o", mas não tenho como provar, então marco minha jogada em uma casa que ele marcou antes.
— Mas como vou conseguir um emprego assim, Luke? Ninguém vai contratar uma imprestável.
— Você não é imprestável, não diga isso.
Luke faz um risco diagonal como se tivesse completado uma sequência de "x", vencendo o jogo. Tomo o graveto da mão dele e quebro no meio, como um mau perdedor faria.
— Sou sim, não sirvo nem para ganhar um Jogo da Velha imaginário.
Luke pega a minha mão e entrelaça nossos dedos, me fazendo olhar para ele.
— Que tal pensar em algo no que você é boa e tentar um emprego onde possa fazer isso?
— Só sou boa em ficar no Twitter mandando memes para Lia.
— E em ler um livro por dia.
— Grande coisa — reviro os olhos.
— Grande coisa mesmo. Você lê muito e bem rápido. Isso pode ser considerado um talento — ele coloca meu cabelo atrás da orelha e me lembro que nem arrumei o cabelo depois da soneca da tarde.
Devo estar com a cara de moradora de rua, ainda mais por estar usando a camisa do time que meu pai jogava na faculdade, aquela velha e com furinhos na barra.
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O garoto dos olhos avelã
Novela JuvenilGraziella tem uma imaginação para lá de fértil, vive no mundo da lua e, por vezes, acaba se enfiando em situações embaraçosas. Sem planos de se apegar à nova cidade, ela sabe que a promessa de permanência do pai é daquelas que não se deve levar à sé...