34 - Florescendo

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Quando salvei o número de Natan, me pareceu uma coisa banal. Acho que, naquele momento, minha intenção era poder identificar o contato dele para não atender caso me ligasse novamente.

Mas agora, segurando o celular com uma chamada perdida dele, de frente para Luke, sei que foi a maior burrice da minha vida.

Será que Luke viu a chamada perdida? Pior, será que Luke estava por perto quando o celular tocou?

— Que cara é essa? — Luke pergunta com tom de preocupação.

Aperto o botão lateral rapidamente e cruzo os braços, escondendo o celular.

— Hum... é que... recebi um e-mail da empresa que mandei currículo — minto. — Me rejeitaram.

Abaixo a cabeça, pois não quero mentir olhando nos olhos dele.

Luke gentilmente segura o meu queixo e me faz encará-lo.

— São eles que estão perdendo. Sabe disso, não é?

Luke é tão doce comigo. Ele não merece mentiras. Não dá para mentir encarando esses olhos gentis que demonstram se importar comigo.

Desvio os olhos e caminho até o degrau da frente da minha casa para me sentar, enquanto busco forças internas para contar que Natan tem o meu número.

Luke vem junto e se senta ao meu lado.

— Na verdade... — começo hesitante. — Eu nem queria mesmo trabalhar lá — nem sei onde é lá.

— E onde você quer? — pergunta, interessado.

Pego um graveto e risco linhas imaginárias no chão.

Talvez seja melhor usar esse assunto como fuga. Não preciso falar sobre Natan, basta bloquear o número dele e tudo estará resolvido.

— Eu não tenho muito poder de escolha. Meu currículo é ridículo, não tenho experiência nenhuma.

Minhas linhas imaginárias seguem um padrão de Jogo da Velha e Luke parece perceber isso, pois pega um graveto também e participa do meu jogo. Acho que ele é o "x".

— E nem é para ter. Você acabou de completar dezoito anos e está terminando o ensino médio. O normal é que você não tenha experiências mesmo — diz ele fazendo um "x" em cima de uma casa que eu já tinha feito o meu "o", mas não tenho como provar, então marco minha jogada em uma casa que ele marcou antes.

— Mas como vou conseguir um emprego assim, Luke? Ninguém vai contratar uma imprestável.

— Você não é imprestável, não diga isso.

Luke faz um risco diagonal como se tivesse completado uma sequência de "x", vencendo o jogo. Tomo o graveto da mão dele e quebro no meio, como um mau perdedor faria.

— Sou sim, não sirvo nem para ganhar um Jogo da Velha imaginário.

Luke pega a minha mão e entrelaça nossos dedos, me fazendo olhar para ele.

— Que tal pensar em algo no que você é boa e tentar um emprego onde possa fazer isso?

— Só sou boa em ficar no Twitter mandando memes para Lia.

— E em ler um livro por dia.

— Grande coisa — reviro os olhos.

— Grande coisa mesmo. Você lê muito e bem rápido. Isso pode ser considerado um talento — ele coloca meu cabelo atrás da orelha e me lembro que nem arrumei o cabelo depois da soneca da tarde.

Devo estar com a cara de moradora de rua, ainda mais por estar usando a camisa do time que meu pai jogava na faculdade, aquela velha e com furinhos na barra.

O garoto dos olhos avelãOnde histórias criam vida. Descubra agora