Esse é o meu conselho para a humanidade: não finja estar doente, porque você vai acabar ficando.
É de coração quando digo prefiro ficar em casa a ir assistir aula de matemática. Mas perder duas aulas de matemática pode ser bem ruim para quem não é bom nessa matéria demoníaca.
Minha mãe coloca mais um cobertor sobre mim, enquanto me esperneio tentando me livrar de tantos panos.
— Mãe, por que você não me ouve? Eu já disse que estou bem! — minto. — Eu preciso ir para a escola hoje!
— Eu estou vendo na sua cara de lua cheia e no seu pescoço de sapo que você está bem, Graziella.
Abro a boca, desacreditada no que acabo de ser chamada, e coloco a mão no pescoço. Está quente.
— Não adianta fazer cara feia. Alergia não é brincadeira e você precisa se recuperar, portanto não saia dessa cama.
Conversa encerrada. Ela sai do quarto.
Lanchonete ridícula. Trocaram o frasco de ketchup pelo de pimenta. Algumas pessoas têm alergias, eles não se mancam, não?
A minha mãe bem que poderia processar a escola se não tivesse desistido da carreira jurídica para se dedicar a ser mãe e esposa. Que frustrante.
Ao menos aquele garoto não me viu tossindo loucamente no refeitório depois de ingerir pimenta. Já bastava a humilhação da queda.
Saio da cama e vou até a sacada para tomar o ar puro da manhã.
Na mesma direção do meu quarto, do outro lado da rua, há uma janela fechada. Fico curiosa em saber se é a do quarto do garoto. Mas, afinal, o que eu tenho a ver com isso?
Desvio os olhos para as árvores, observando o movimento do vento sobre as folhas. Há pessoas com tênis de corrida na rua, isso me faz lembrar que tem um parque por perto.
De repente, me sinto inspirada e decido que vou acordar cedo no dia seguinte para correr. Fico empolgadíssima.
Talvez essa seja a minha nova personalidade: corredora.
•
São seis da manhã, estou com os meus tênis de corrida e sou veloz.
Ultrapasso qualquer um.
Só de sentir a velocidade que o vento atinge o meu rosto já me visualizo como atleta profissional.
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Qualquer um me ultrapassa.
Apenas dez minutos correndo e até uma senhorinha corcunda parece ter mais energia do que eu, em plenos meus dezessete anos.
Isso não vai ficar assim. A partir de hoje, vou correr todos os dias e ser uma pessoa atlética. Vou progredir tanto que serei a pessoa mais rápida dessa pista. Em algumas semanas serei mais veloz que o próprio Bolt.
Puxo o ar para o pulmão e me forço a continuar correndo.
•
Definitivamente, não fui feita para correr.
Encosto o ombro em uma árvore de tronco largo e coloco a mão na altura do pâncreas, respirando ofegante. Minha respiração está tão pesada que parece que os meus órgãos vão sair pelo nariz.
Não tenho certeza de que as minhas pernas ainda estão funcionais. Talvez eu as tenha gastado demais e precise pedir para algum desses caras, que já passaram por mim mais de cem vezes, me carregarem nas costas até a minha casa.
Enquanto tento, sem sucesso, recuperar o ritmo da respiração, meus olhos captam a imagem de um dos homens mais lindos que já vi em toda a minha vida.
Vem correndo na direção oposta, usando short cinza e camisa branca, a qual está molhada ao redor da gola. Seu corpo está em forma e, pelo ritmo da corrida, parece já ter dado várias voltas pelo circuito. Algumas mechas do cabelo estão coladas à testa suada. Ele está usando fones e parece completamente alheio ao resto do mundo. Completamente alheio, até seus olhos claros desviarem para mim, voltarem para frente, depois para mim de novo.
As sobrancelhas dele se franzem. Ele reduz a velocidade e sai da pista, vindo em minha direção até parar diante de mim.
— Você está bem? — A expressão em seu rosto é de preocupação, o que me faz concluir que estou bem pior do que imaginava.
Mesmo à beira da morte, não sou capaz de deixar de reparar que meu vizinho de olhos bonitos exibe o corpo atlético de quem tem o hábito de correr. Oposto da pobre coitada à sua frente que está toda acabada depois de correr míseros vinte minutos.
Uso toda a força do meu ser para tentar fingir que não estou prestes a desmaiar de exaustão.
— Sim — respondo o mais firme que dá.
— Tem certeza? — ele me analisa com um olhar duvidoso.
Tudo tem limite, sabe? Não dá para deixar esse garoto ficar vendo minha imagem derrotada.
— Estou ótima — afirmo com convicção e endireito a coluna.
Pelo visto, vergonha é um combustível poderoso, pois me dá energia para voltar a correr.
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O garoto dos olhos avelã
Teen FictionGraziella tem uma imaginação para lá de fértil, vive no mundo da lua e, por vezes, acaba se enfiando em situações embaraçosas. Sem planos de se apegar à nova cidade, ela sabe que a promessa de permanência do pai é daquelas que não se deve levar à sé...