09 - Combinando

3.7K 316 385
                                    

O descanso faz parte da rotina de atividade física de qualquer atleta. Os músculos precisam de tempo para se recuperar. Por isso não corro no domingo, deixo para o dia seguinte.

A segunda-feira chega e decido que mereço descansar um pouco mais, pois um bom descanso é o segredo do sucesso dos maratonistas profissionais.

Na escola, logo de cara sinto os efeitos colaterais pelas aulas de matemática perdidas, pois o professor está dando continuidade a um assunto que se iniciou na aula que faltei.

Para acabar com tudo de vez, ele anuncia no fim da aula:

— Por hoje é tudo. Revisem, façam os exercícios e bebam água. A prova de amanhã vai ser molezinha para vocês.

É na força do desespero que tomo coragem para pedir emprestado o caderno de um colega. Passo o intervalo inteiro tentando transcrever os garranchos dele para o meu caderno, já que a câmera do meu celular não vale um caracol.

Ao fim da última aula, me sento na calçada e abro o caderno para estudar enquanto espero pelo meu pai. Tento entender os cálculos, mas juro, nada do que anotei faz sentido.

Sinto uma onda de pânico que me faz querer chorar. Não tenho a menor condição de fazer essa prova e com certeza tirarei zero.

— Quer carona?

Levanto a cabeça encontro um belo par de olhos avelã me encarando de dentro de um carro.

Devo estar com uma tremenda cara de coitada que, de tão terrível, fez ele sentir pena e decidir me oferecer carona.

— Não — respondo. Eu não sou uma coitada.

Ele não sai, continua aguardando. Está pensando que vou reconsiderar? Pois não vou mesmo.

— Na verdade, eu quero sim — reconsidero.

Não ligo se ele me acha uma coitadinha, só quero chegar em casa logo para estudar.

Vou até o carro e entro.

O veículo se coloca em movimento e eu mantenho a atenção em meu caderno. Não estou entendendo nada, mas faço a maior encenação de intelectual da história do cinema.

— O que é tão importante para você mal ter saído da escola e já estar estudando? — pergunta ele.

Realmente, é chocante abrir um caderno imediatamente após o fim das aulas. Nem os mega inteligentes que se sentam na frente da sala devem fazer uma coisa tão absurda.

Então percebo que não pareço intelectual, mas sim desesperada.

— Tenho prova de matemática amanhã de um assunto que não sei quase nada — admito. — Perdi algumas aulas desse assunto e agora vou perder na matéria toda.

— Qual assunto?

— Geometria.

— É fácil.

Levanto os olhos para ele.

— Já que é tão fácil, quer ir fazer a prova no meu lugar? É só você usar uma peruca.

Ele ri, mantendo os olhos no trânsito.

— Eu adoraria tentar me passar por você, mas também tenho essa prova amanhã.

— Você deve saber tudo, já que está aí todo tranquilo.

— Como eu disse, é um assunto fácil.

Esse garoto está me chamando de burra?

Volto a olhar para o caderno.

Já que ele é tão inteligente e detentor de todo o conhecimento de matemática, devia era se oferecer para me ajudar, não ficar se gabando que acha fácil.

Na verdade, uma ajuda não cairia nada mal. Só que eu não vou pedir, mas é nunca!

— Isso está errado — ele aponta para uma conta no meu caderno. — E isso também.

— O que?! — olho para ele, perplexa.

Ele alterna o olhar entre o trânsito e o caderno.

— Pode esquecer essas contas. Você fez tudo errado.

Não sei se fico aliviada ou ainda mais frustrada. Por um lado, é bom saber que não sou tão burra, pois não estou entendendo justamente porque não há o que ser entendido nessas anotações. Por outro lado, agora estou totalmente desprovida de anotações da aula.

Solto os ombros e suspiro, me sentindo completamente desolada.

— Minha vida acabou — fecho o caderno com um baque.

— Que exagero.

— Exagero?! Eu tô por um fio de perder em matemática! A professora da antiga escola não gostava de mim!

Cubro o rosto com as mãos.

— Não é um assunto complexo, você consegue estudar tudo até amanhã — ele diz em tom tranquilizador.

Ele está tentando me consolar? Achei que ia zombar de mim. Talvez não seja tão humilhante se eu pedir ajuda, afinal.

Tiro a mão do rosto devagar e me endireito no banco. Olhando para o lado de fora da janela, respiro fundo para tomar coragem.

— Você vai fazer a mesma prova amanhã, né? — pergunto como quem não quer nada.

— Sim, no segundo horário.

Mantenho os olhos nas árvores que passam correndo por nós.

— Você nem vai precisar estudar, né? Já que sabe de tudo.

— Eu não sei de tudo. Vou estudar também.

Olho para ele.

— Mas você disse que é mais fácil que sentar na graxa.

Ele ri.

— Quis dizer que não é um assunto que exige tanto à ponto de estudar na porta da escola — ironiza.

Esse ridículo está zombando de mim de novo?! Volto a olhar para a rua.

— Nem todo mundo é mega inteligente e se dá bem com matemática — meu tom sai mais defensivo do que eu gostaria.

As ruas e casas que se mostram ao lado de fora são familiares e logo percebo que estamos em nosso bairro.

Em pouco tempo o carro para do meu lado da rua e não do dele. Vai ver ele ficou com medo de eu me destrambelhar saindo de seu carro, cair na pista e ser atropelada. Garoto ridículo.

Seguro a maçaneta ao mesmo tempo em que abraço a minha mochila junto com o caderno.

— Se quiser, posso te ajudar com a matéria.

Solto a maçaneta e viro o rosto para ele depressa.

— Pode? — minha voz sai mais empolgada do que eu gostaria.

— Também tenho que estudar para a prova. Podemos estudar juntos.

Pigarreio para limpar da voz a empolgação anterior.

— Bom, acho que posso estudar com você — digo vagamente, tentando manter alguma dignidade.

Seus lábios até podem não estarem rindo da minha tentativa de me fazer de difícil, mas os olhos claros certamente estão.

— Na minha casa às duas, pode ser? — diz ele.

— Combinado.

E sem mais nem menos, me sinto eufórica para estudar matemática.

O garoto dos olhos avelãOnde histórias criam vida. Descubra agora