07 - Desequilibrando

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A tosse de fumante não cola na manhã seguinte e sou obrigada a arriscar o meu pescoço encarando Lia, minha colega em que derramei suco.

Entro na sala sem olhar diretamente nos olhos de ninguém justamente para evitar receber uma encarada mortal dela.

Mas isso logo se mostra um erro quando escuto a pessoa atrás do meu acento interagindo com outra colega. É a voz de Lia. Minha vida está acabada.

A aula toda é uma sessão de horror, e não só ser aula de matemática. Passo a aula inteira imaginando Lia picotando o meu cabelo ou colando chiclete. Por isso verifico a parte de trás do cabelo constantemente, passando a mão.

Pode ser coisa da minha cabeça, mas tenho a impressão de escutar uma risadinha abafada atrás de mim.

Assim que toca o sinal do intervalo, saio em disparada.

— Ei, garota! — uma voz feminina chama.

Não sei se é ela, não sei se é comigo e não quero descobrir.

Corro mais depressa.

Não sei onde vai dar a escada que se mostra à minha frente quando chego ao fim do corredor, mas subo correndo, pois tenho a impressão de que tem alguém me seguindo.

Não vou deixá-la fazer picadinho de mim. Não enquanto puder lutar pela minha vida! Não na escola com as chances de aquele garoto me ver em mais uma situação vexatória.

Ao atingir o topo da escada, meus pensamentos, meus sentidos, minhas pernas e meus braços se embaralham como em uma confusa sopa de letrinhas desconexa e desordenada, pois meu corpo acaba de ter atingido de forma brutal.

O choque é frontal e, na desesperada tentativa de não capotar escadas abaixo, me agarro à camisa da pessoa ao mesmo tempo em que me sinto ser puxada para o lado, o que faz meu pé se torcer e acabar com o último resquício de equilíbrio em mim. Meus dedos agarram o corpo à minha frente e a pessoa até tenta me segurar, mas é inevitável: caio no chão feito uma abóbora podre.

A pessoa estende a mão para me ajudar e vejo que é ele. Sim, ele. O garoto dos olhos avelã acaba de me ver caindo feito uma jaca no chão.

Não pego. A vergonha consegue ser a maior que as dores físicas, então cubro os olhos com o braço.

Meus livros de romance mentiram! Não há nada de romântico em se esborrachar no chão depois de se chocar com uma pessoa. Dói. É desengonçado. É constrangedor.

— Consegue se levantar? — questiona ele.

Tiro o braço da frente do rosto.

— Não — resmungo, fazendo careta de dor.

Ele se abaixa ao meu lado.

— Onde está doendo? — as sobrancelhas dele estão franzidas e ele me olha como se estivesse avaliando os danos.

— Meu tornozelo.

— Em uma escala de um a dez, quanto está doendo?

— Está doendo onze.

Apoio os cotovelos no chão para me sentar. Ele coloca uma mão em minhas costas e me ajuda.

— Se está doendo tanto, é melhor eu te levar para a enfermaria.

— Não precisa. A dor está passando — tento me levantar, mas o tornozelo dói, por isso fico grata quando ele sustenta o meu corpo e faz todo o trabalho de me colocar de pé.

— Não deveria correr subindo escadas. — É um tom de repreensão, o mesmo que a minha mãe usa quando me trata como criança.

Olho para ele. À luz do dia, tão perto, posso ver coisas nele que não consegui ver quando nos falamos pela primeira vez. A exemplo dos olhos, que são mais claros do que eu me lembrava. E o rosto, que é mais bonito e simétrico do que eu achava.

— Eu não estava correndo. Você que veio feito um trem desgovernado. Eu não sou nenhuma destrambelhada, tá bom?!

Ele ergue as sobrancelhas. Me sinto ainda mais infantil com ele me olhando desse jeito.

— Com licença — dou as costas e saio mancando.

O garoto dos olhos avelãOnde histórias criam vida. Descubra agora