54 - Estragar

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Só acredito que aconteceu de verdade porque minha mão está ardendo pela força do tapa, mas se não fosse a ardência, eu não acreditaria que realmente fiz isso.

Se a minha mão arde tanto, imagino como o rosto de Lia deve estar queimando, pois a violência da minha mão deixou um desenho vermelho tão vívido que dá para ver mesmo com a luz confusa do ambiente.

Os olhos de Lia estão arregalados. Ela parece não acreditar no que acabou de acontecer. Quero muito que ela não acredite, mas ela coloca a mão no local onde acertei um tapa com força, e sei que a ficha está caindo para ela.

Estou totalmente petrificada. A música, que há dois segundos parecia alta demais, agora está distante em minha mente. Só consigo ouvir o som do meu coração estrondando nos meus ouvidos.

A dor que vejo na expressão de Lia não é apenas física. Seus sentimentos estão profundamente feridos.

Tenho a sensação de descolar da realidade, as pessoas em volta ficam abstratas.

A maldita música acaba. No breve momento de silêncio antes de iniciar a próxima, Lia declara:

— Desejo, de coração, que você seja muito feliz — então me dá as costas e sai pela multidão, sumindo na direção da saída.

Assim que Lia desaparece do meu campo de visão, o estado de petrificação acaba. A urgência de ir atrás dela faz o meu corpo se agitar.

Começo um zig-zag frenético entre as pessoas, esbarrando em uma e outra pelo caminho, mas minha visão fica borrada pelas lágrimas.

Ao chegar na porta, alguém segura o meu braço e me impede de prosseguir. Entro em pânico. Tenho que falar com Lia imediatamente, tenho que implorar seu perdão. Tenho que recuperar a minha melhor amiga antes que seja tarde.

Luto para me desvencilhar da mão que me segura, puxando com toda minha força. A pessoa me envolve com os braços e eu me debato violentamente. No meio da tentativa de fuga, acabo acertando o rosto da pessoa, mas não foi de propósito.

— Grazy! — exclama e eu me viro imediatamente, reconhecendo a voz do meu namorado.

Ele está com a mão perto do queixo, onde eu sem querer acertei um soco.

Qual o problema comigo? Há poucos segundos bati na cara da minha melhor amiga e agora atingi o rosto do meu namorado.

— Luke... — seguro seu rosto com mãos trêmulas.— Luke, me desculpa, eu não sabia que era você, eu não vi você, eu não quis fazer isso, me desculpa, me perdoa, por favor! — As palavras saem em disparada da minha boca, com lágrimas e soluços.

— Calma, tudo bem, não me machucou. — Ele segura os meus pulsos gentilmente. — Por que está assim? Por que estava correndo?

— Eu sou a pior amiga do mundo, a pior namorada do mundo, a pior pessoa que existe! — berro aos prantos.

Luke me puxa para o seu peito e me esconde. Aperto ele com força enquanto desabo em lágrimas.

E é assim que a noite que Lia planejou especialmente para me animar, acaba.

O banho quente ajudou a diminuir o efeito devastador do álcool, mas eu ainda me sinto embriagada.

Sentada na beirada da cama de Luke, encaro o chão enquanto ele, atrás de mim, seca meus cabelos com uma toalha branca.

Chorei silenciosamente durante todo o trajeto de carro para a casa dele, mas não consegui falar sobre o que aconteceu.

Quando chegamos em sua casa, Luke teve que carregar os meus saltos e me ajudar a andar, pois eu mal conseguia me manter de pé.

Minha cabeça ainda está tonta, porém bem melhor depois de uma hora embaixo do chuveiro quente.

Luke se move para ficar de frente para mim, para terminar de secar a frente do meu cabelo.

Meu corpo começa a ceder e ele imediatamente me ampara, sentando-se na cama ao meu lado.

— Você precisa dormir — diz, abraçando meu corpo mole.

— Eu não quero — nego com a cabeça e afundo o nariz em sua camisa de algodão.

— Mas deve. Amanhã vai se sentir melhor — ele acaricia os meus cabelos.

Escondo a cabeça em seu peito ao perceber que amanhã terei que encarar as consequências dos atos de hoje.

— Eu não quero encarar o amanhã — murmuro com a voz abafada.

— Quer falar sobre isso? Dizem que desabafar ajuda.

Que ironia. Como se ele soubesse o que é desabafar.

— Eu bati na cara de Lia — falo contra seu peito e ele tenta me afastar para olhar para mim, mas grudo ainda mais nele, com vergonha.

— O que te levou a fazer isso? — o tom de voz dele é de compreensão e não o tom de julgamento que eu temia.

— Ela disse que você vai me trair com Julia.

Dessa vez Luke consegue me afastar para olhar em meus olhos.

— Por que Lia disse um absurdo desse? — as sobrancelhas dele estão franzidas com afinco.

— Lia não gosta de Julia. Ela diz que Julia tem inveja de tudo o que eu tenho, inclusive você. E quando ela viu você dançando com Julia, disse coisas horríveis, disse que Julia ia roubar você de mim. Então eu disse que você não é como namorado traidor que ela tem.

Luke fica visivelmente surpreso. Ele sabe do peso desse assunto, sabe bem como Lia ficou devastada quando o namorado a traiu. Ele mesmo me ajudou a tirá-la do fundo do poço.

— Ela ficou muito magoada quando eu disse isso e falou que você e Julia não iriam apenas se beijar, que você me trairia com ela bem aqui, na sua cama! — Bato com as mãos fechadas no colchão, sentindo novamente aquela raiva que senti quando Lia disse isso.

— Você sabe que isso nunca vai acontecer — Luke assegura, olhando diretamente em meus olhos. — Eu jamais faria uma coisa dessas com você.

— Eu sei disso, Luke. Mas na hora que ela disse eu fiquei com tanta raiva que não consegui me controlar. Agora ela nunca mais vai me perdoar — baixo os olhos, desolada. — Eu perdi a minha melhor amiga.

— Não perdeu. Lia não vai jogar fora a amizade de vocês por um erro.

Sinto meu corpo ceder de novo e Luke me ampara. Como não consigo mais oferecer resistência, ele me ajeita para me deitar na cama.

Em seguida, Luke apaga a luz e deixa apenas a luminária da mesa de cabeceira acesa. Depois se deita na cama comigo e me envolve em seus braços de forma protetora.

Luke sabe que se continuar fazendo carinho em meus cabelos assim, eu vou dormir em questão de segundos, mas preciso resistir, pois ainda há um assunto para tratar com ele.

Preciso saber o que ele pensa dessa situação, se também acha que Julia está se jogando em cima dele como Lia diz.

Mas não quero parecer que estou dando créditos ao absurdo que Lia falou sobre ele. Não posso fazer Luke pensar que não confio nele, ele não merece isso.

Talvez não seja boa ideia falar disso. Na verdade, é uma péssima ideia. Já fiz besteiras demais por um dia.

Vou apenas calar a minha boca e dormir. Não vou estragar mais nada hoje.

É isso, não vou perguntar.

— Luke, o que você acha de Julia?

O garoto dos olhos avelãOnde histórias criam vida. Descubra agora