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No drive do MC nós pedimos um duplo quarteirão pra mim com milkshake de prestígio e o Victor pediu um crispy onion barbecue, uma coca grande e uma batata com cheddar e bacon.

Pela primeira vez no rolê ele aceitou que dividíssemos a conta.

Pegamos nosso pedido e ele decidiu dirigir até o final da Ilha do Boi, que costumava ficar mais vazia pela noite.

Entramos numas ruas que eu nem sabia que existia, quando me dei conta estávamos estacionando já na areia da praia.

Abrimos as portas pra deixar a brisa gostosa entrar e atacamos nossos lanches.

- Não tô botando fé que tu não quis tomar uma coca pra tomar essa coisa doce aí - indicou com a cabeça o meu milkshake.

- Me deixa em paz, por favor? - tomei um pouco do milkshake - Tu não sabe o que tá perdendo.

Ele revirou os olhos enquanto abria o hambúrguer dele e dava uma mordida grande em seguida.

- Beleza. Desembucha. - disse de boca cheia.

- Por que eu primeiro?!

- Porque sim. Fala logo de uma vez, aposto que é besteira sua.

Respirei fundo.

Odiava ter que lembrar daqueles acontecimentos, mas faziam parte de quem eu era, e eu não podia simplesmente apagar da minha memória.

Mas se eu pudesse, apagaria fácil.

- Ouve primeiro, depois você fala merda - apoiei o milkshake no painel do carro com cuidado pra ele não cair e cruzei as pernas no banco - eu tinha acabado de fazer 15 anos quando conheci o Luc numa festa de aniversário de uma colega minha. Ele era amigo do irmão mais velho dela, consequentemente ele também era mais velho. Lembra quando eu disse que quando eu era mais nova eu achava que era só sentir uma atraçãozinha que eu dizia estar apaixonada? Então, com ele não foi nada diferente - peguei uma batata e enfiei na boca - o Luc era incrível. Era engraçado, tinha um papo muito bom, andava de skate, fazia e acontecia nos rolês com o irmão dessa minha colega, eu já tinha ouvido muitas histórias dele, ele era mais velho e me dava uma moral fodida. Eu tava me sentindo nas nuvens, porque era o primeiro cara que eu tava me envolvendo real oficial, nós trocávamos muitas mensagens o dia todo, começamos a ficar e a sair, ele me apresentou os amigos dele e tudo era um mar de rosas. Na minha cabeça a gente tava namorando e ele era o meu príncipe encantado.

- Então você já gostou de alguém, ué. Por que você diz que não?

- Calma! Eu não gostava dele, eu tava deslumbrada porque ele era mais velho e parecia gostar de mim.

- E aí? Ele te traiu?

- Antes tivesse traído - suspirei - enfim, eu sabia da fama do Luc, que ele não fazia o tipo que curtia ficar só nos beijos e que ficava brincando de casinha, então eu achava que pra segurar o boy eu tinha que dar aquela chave de coxa nele. Mas eu era virgem, tonta e ingênua, pra mim fazia sentido essa história toda e assim eu iria ficar com ele pra sempre. Minha primeira vez aconteceu na casa dele, foi tudo maravilhoso, ele tinha sido atencioso e cuidadoso comigo. Então nós seguimos o baile juntos, eu achei que tava tudo bem, mas ele começou a se afastar aos poucos e eu tive que ficar indo atrás dele porque as minha mensagens ele já não respondia mais - brinquei com o meu hambúrguer antes de dar uma mordida pequena - e aí teve esse dia que eu fui procurar por ele na casa onde ele morava com outros dois amigos, cheguei lá e quem me recebeu foi um deles, ele disse que o Luc não estava, mas que eu podia esperar por ele lá. Como eu já conhecia o guri, decidi esperar mesmo. Só que esse guri tava diferente comigo, fazendo umas piadinhas de mau gosto, sem sentido, jogou umas indiretas pra mim, eu já tava achando estranho e achei melhor ir pra casa. - senti uma repulsa fodida em ter que continuar a história.

- E? - me incentivou.

- E aí que o nojento tentou me agarrar - suspirei - o filho de uma puta tentou abusar de mim, mano. Mas eu nunca fui idiota, meti a joelhada naquele escroto, e ele falava repetidamente de um vídeo, que "no vídeo eu parecia gostar", que "no vídeo eu parecia uma putinha".
- Puta que pariu, o cara filmou vocês? - ele perguntou.
Ri de nervoso. - Sim. Ele filmou a minha primeira vez, sabe-se lá Deus como, espalhou para os amigos escrotos dele e eu só fui saber disso quando o vídeo chegou nas mãos do pessoal da minha escola - ri sem humor - foi horrível, Victor. Não pelo vídeo em si, a câmera tava tão longe da cama que nem meu bom desempenho na primeira vez deu pra ser notado direito - brinquei, mas ele não riu - foi horrível porque eu confiei no Luc. A situação ficou tão terrível que eu tive que mudar de bairro, a minha felicidade era saber que com o primeiro ano do Ensino Médio eu teria mesmo que mudar de escola, e eu fiz questão de ir pra bem longe daquele bairro que eu morava antes. A Laís foi pra outra escola comigo, lá nos conhecemos o Thiago e desde então éramos só nós três pra tudo, até ele vacilar, mas enfim...

- E o filho da puta do Luc?

- Ele me mandou umas mensagens dizendo que caso eu contasse pros meus pais sobre o vídeo, ele iria vir atrás de mim. Eu fiquei com medo, não contei pro meu pai, mas contei pra minha mãe sem dizer quem era o cara. Ela entrou em desespero, eu tive de trocar meu celular e logo depois nós nos mudamos, e eu nunca mais vi o Luc ou ouvi falar dele.

- Porra, Nat. O cara era mais velho que tu, tu não denunciou ele?

- Eu tive medo, Victor. Sei lá o que ele podia fazer comigo ou com alguém da minha família. Eu não me importava com o que estavam falando sobre mim, nunca liguei pro que falavam, mas aquilo estava me sufocando, e foi só por isso e por medo de encontrar com ele algum dia, que eu eu me mudei de lá. E desde então eu acho que toda a vez em que me envolver com um cara, me entregar de verdade, ele vai me decepcionar. Por mais que eu tente acreditar no contrário, é algo que está enraizado em mim.

- Tu sabe que nem todos os caras são babacas assim.

- Eu sei, juro pra você que eu sei. Mas é mais forte que eu, quando eu me dou conta eu mesma estou me sabotando e fazendo tudo dar errado.

- Já procurou ajuda? - ele falava sério.
- Que tipo de ajuda?

- Um psicólogo, por exemplo. Isso é um trauma e tu sabe disso.

- Não, nunca.

- Tu devia - ele falou - sei nem o que te dizer, mano. Mas se eu encontrasse com esse filho da puta, puta que pariu...
Ri baixo. - Lá vem o espírito de lutador de UFC.

- Na moral, Nat. Eu posso ser o cuzão que eu sou, mas eu nunca vacilaria contigo.
Foi inevitável não sorrir. Por que tão gracinha? Não soube o que dizer.

Por mais que eu tentasse, aquela síndrome de Luc nunca me largaria, e eu sabia que com o Victor não seria diferente.

Ele deixou o hambúrguer dele no painel do carro e me puxou pelo pulso pra um abraço, beijando minha testa em seguida.

- Não deixo moleque nenhum te machucar assim, tá ligada?

Sorri e o abracei. - Hmmm, tá querendo dizer que vai cuidar de mim?

- Mesmo que você diga que não quer, que me xingue e que me mande meter o pé - disse baixo e eu o apertei mais em mim.

Regra Número 3Onde histórias criam vida. Descubra agora