Então a semana seguinte chegou, as aulas acabaram na quarta e pelos últimos três dias daquele bimestre eu acompanhei Danielle até sua casa.
Eu estava satisfeito por nada ter acontecido até o momento e torcia para que quando voltássemos às aulas toda aquela história já tivesse ficado para trás.
Volta e meia eu via Jonas pela escola.
Nossos olhares às vezes se cruzavam e uma rápida expressão de incomodo se formava em seu rosto, mas isso era tudo.
Nunca mais o vi se aproximar da nossa sala ou sequer olhar para a Nat ou pra Dani. Talvez tivesse perdido o interesse pela vingança? Pelos rumores que eu havia ouvido, parecia que já estava até namorando de novo.
Então foi apenas por garantia que mantive o ritmo e como previsto, felizmente nada aconteceu.
Pelo menos Dani parecia bem feliz com aquilo.
Gastamos a maior parte do último dia conversando sobre o que faríamos nas férias, jogando baralho e apostando feijões, rindo e nos divertindo.
Dentre todos os dias, aquele foi o qual acabei saindo mais tarde de sua casa, sem copiar sequer mais uma linha da matéria que ainda faltava e com a barriga cheia de biscoitos e achocolatado que sua avó preparou para gente.
- Eu vou ao banheiro, vou por uma blusa e te acompanho até o ponto de ônibus. – Dani falou quando eu disse que iria embora.
- Não precisa me acompanhar, Dani.
- Nah! Espera! É rapidinho!
E saiu para o banheiro me deixando a sós com sua avó na cozinha.
- Muito obrigado por vir, Gabriel. – dona Cecília, a avó da Dani, falou sorrindo. – Dani está tão feliz.
- Eu que agradeço, dona Cecília. Os biscoitos estavam ótimos.
- Que bom que gostou. A Dani sempre gostou desses biscoitos. Quando ela veio morar comigo ela só queria comer isso.
- Quando ela tinha três anos né? – perguntei, lembrando o que Dani havia me dito.
- Três? Não, não... Ela já tinha oito anos.
- Oito anos? – estranhei. – Ela passou a morar com a senhora aos oito?
- Sim. Antes disso ela morava com os pais.
E mais uma vez lá estava eu, encarando dona Cecília com uma grande interrogação estampada no rosto.
Eu lembrava claramente da Dani me dizendo, ali mesmo naquela cozinha, que seu pai havia indo embora de casa e que sua mãe havia morrido quando ela tinha três anos.
Do que raios então aquela senhora estava falando? Será que eu havia entendido errado? De novo?
- E desculpa perguntar, mas por que a Dani não mora mais com os pais, dona Cecília?
- Ah, menino... A mãe e a menina não se dão de jeito nenhum.
- A mãe dela? Mas e o pai?
- Meu filho prefere ficar com a esposa, eles moram lá no sul. – explicou como se fosse a coisa mais normal do mundo, sem saber que aquela era a primeira vez que eu ouvia tal versão da história.
- Entendi... – foi tudo o que consegui dizer.
- Mas tudo vai se ajeitar um dia. É coisa de tempo, sabe? Um dia eles se entendem. Enquanto isso ela fica comigo.
Eu estava em silêncio e sem saber o que pensar quando Dani apareceu pela porta da cozinha, pronta pra sair.
- Vamos lá? – falou animada.
- Vamos... – resmunguei enquanto me levantava da cadeira. Então me despedi de dona Cecília que pediu que eu voltasse de novo.
Caminhamos para fora da casa e seguimos lado a lado pela rua.
Minha cabeça estava dando voltas e por isso não conseguia conversar.
Estava revisitando as memórias, relembrando o que Dani havia dito e comparando com o que dona Cecília havia acabado de contar.
As informações não batiam e alguém só podia estar mentindo, por mais que eu não conseguisse ver motivos pra nenhuma delas mentir.
"O que raios esta acontecendo aqui?" – lembro de ter pensado. E foi só quando já estávamos sentados no ponto de ônibus que resolvi tentar conversar a respeito com Danielle.
- Dani... – comecei com a voz baixa, sentindo a duvida na minha própria voz. – Por que você mora com a sua avó?
Ela olhou pra mim com uma expressão curiosa.
- Não entendi. Como assim? – replicou.
- Por que você não mora com seus pais? – sem saber por que, resolvi fingir que havia esquecido o que ela havia me dito.
- Eu não te contei sobre meus pais? – disse com o rosto assumindo uma expressão de dúvida.
- Não, acho que não... – insisti no teatro. – Sua avó disse que eles moram no sul. É isso?
- Seu ônibus! Tá chegando! – ela falou, avistando o veículo, saltando de onde estava sentada e dando o sinal para que o motorista parasse. – Então! Vamos combinar algo durante as férias?
- Sim... Pode ser... Eu acho... – ainda estava com a cabeça no outro assunto.
- Combinado então! Eu te ligo!
Dani beijou a minha bochecha assim que o ônibus parou na nossa frente e eu embarquei.
Através da janela a vi acenando para mim enquanto o motorista voltava a acelerar.
Lembro então de sentar em um dos bancos ao fundo e dos meus olhos contemplando a paisagem no caminho de volta. Eu olhava para os carros, para as pessoas na rua e para as casas ao redor enquanto meu pensamento ia juntando as informações e transformando certezas em dúvidas.
Minha ficha finalmente estava caindo e uma grande pergunta se formou na minha cabeça.
Uma pergunta que me incomodou de tal forma a ponto de me fazer decidir que ainda não era hora de ir pra casa. Então passei de onde deveria descer e segui por um caminho que eu não percorria há algum tempo.
O sol estava se pondo quando toquei a campainha daquela casa.
Uma senhora de cabelos negros moveu a cortina da janela, me avistou, sorriu, acenou e então menos de um minuto depois a porta se abriu:
- Gabriel? – foi o que Tobias falou assim que saiu. – Que merda você tá fazendo aqui? Já tá com saudades?
- Tobias, você e a Dani namoraram?
- Por um tempo bem curto... E meio que sim... Por quê? – respondeu com um olhar desconfiado. – Que do nada.
- O que você sabe sobre os pais dela?
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Por trás do toque
Non-FictionGabriel é um garoto tímido de dezesseis anos que empurra a vida com a barriga evitando pensar sobre o futuro. Tudo estaria ótimo se não fosse por seus pais decidindo que já é hora dele começar a trabalhar e assim, influenciado por sua melhor amiga N...