Por trás do toque

De herói a tolo

Apenas os dez primeiros minutos de conversa com Tobias já teriam sido suficientes para confirmar minhas dúvidas, mas no final acabamos gastando pouco mais de trinta onde ele me contou alguns detalhes do tempo em que Dani e ele "namoraram".

Sim, entre parênteses, como ele mesmo preferiu descrever.

- A coisa não foi tão séria assim. Um dia nos beijamos, no outro estávamos nos pegando. – falou baixo, olhando em direção à porta e janela como que para se certificar de que ninguém da sua família estaria ouvindo. – Nós nunca usamos a palavra namoro, mas transamos umas duas ou três vezes.

- E como isso acabou?

- Por quê? – perguntou com um sorriso idiota no rosto. – Ela te deu um fora também?

- Caralho, mano! Eu nunca tive nada com a Dani, Tobias! – já era a terceira vez que eu repetia aquela informação e estava começando a ficar irritado.

- Num fode, Gabriel. – replicou. – Você passou pelo menos metade do ano as voltas com essa mina e quer que eu acredite que não comeu?

- Ela é minha amiga, véi.

- "Amiga" meus ovo, Gabriel.

- Por quê? Tá com ciúmes por acaso?

- Ciúmes é o caralho. Tava esperando a hora em que você ia se foder pra apontar na sua cara e dizer "eu falei".

- E por que isso?

- Essa mina é problema, mano. É uma vadia. Todo mundo sabe, só você que é burro demais e não acredita.

Senti a irritação subir a cabeça, mas me contive.

Por tudo o que Tobias já havia me dito até aquele momento eu podia ter certeza de que Dani estava mentindo.

Não apenas sobre seus pais, mas também sobre várias outras coisas. Eu só não fazia a menor ideia do por que.

Percebi que simplesmente não conhecia a verdade a seu respeito e estar ali conversando com Tobias sobre o tempo que namoraram era a prova disso.

Eu podia até me irritar com a maneira como ele e os outros a tratavam, mas naquele momento eu não seria ingênuo de tentar defende-la. Não depois de tudo o que havia constatado.

- Tá... Problema por quê? – perguntei, procurando me acalmar e respirar fundo. Minha esperança era a de encontrar respostas.

- Ela é muito falsa, mano. – Tobias falou enfaticamente e pude notar uma gota de rancor em sua voz. Talvez na época ele tivesse gostado mais dela do que estaria disposto a admitir. – Ela mente, engana, finge... A Dani é uma puta de marca maior, velho.

- E você diz isso por quê?

- A gente nem terminou, Gabriel. Ela já tava dando pra outro cara. Simples assim.

- E com o Thiago? Você sabe como foi?

- Mesma coisa, mano. Pode perguntar pra ele.

- Mas você não pegou ela depois dele?

- Por isso mesmo, mano! – e levantou a palma das mãos pra cima como se o que estivesse tentando dizer fosse a coisa mais óbvia do mundo. – Você não entendeu?

Voltei pra casa profundamente incomodado com tudo aquilo e comigo mesmo, caminhando a pé e revisando mentalmente tudo o que tinha acontecido entre nós desde que Dani e eu havíamos nos tornado amigos.

Eu estava bem triste e solitário quando nos aproximamos e não pensei duas vezes antes de defendê-la do que as outras pessoas diziam.

Pra mim elas apenas estavam sendo maldosas.

Nunca até então havia sequer me passado pela cabeça a possibilidade de haver um fundo de verdade no que diziam.

Desde o começo assumi que Tobias e Thiago estavam apenas sendo cruéis e que agiam daquela maneira por causa do orgulho ferido ao terem sido rejeitados.

Ainda assim, conhecer o outro lado não foi suficiente para que eu concluísse que estavam certos na forma como tratavam a Dani ou sequer que ela merecia isso.

Muito pelo contrário!

Mesmo hoje ainda desprezo esse tipo de comportamento.

Mas seja como for, a verdade é que não parei pra ouvir o lado deles e muito menos tentei entender suas emoções.

Eu apenas determinei que eles eram os vilões da história, ela era a mocinha que precisava ser salva e era meu papel fazer algo a respeito quando ninguém mais fazia.

Pena que o mundo não é tão simples assim...

Lá atrás, depois que voltei da suspensão, eles aceitaram meu pedido de desculpas e, pelo menos na minha frente, até mudaram a maneira como se comportavam em relação a ela.

E ao lembrar disso minha voz interior disse: "Quem é o babaca agora, Gabriel?".

Foi o suficiente pra eu me perguntar até onde teria ido minha ingenuidade?

Será que o Jonas realmente havia ameaçado a Dani como ela disse que ele tinha feito?

Será que ela realmente o havia visto beijando outra garota?

Bem... Isso ele havia admitido.

Eu lembrava tão claramente dele dizendo que havia "beijado, comido e feito tudo" quanto lembrava do soco que levei na cara naquela mesma ocasião.

Mas senti que estava deixando alguma coisa passar. Alguma informação importante. E por mais que eu pensasse, simplesmente não conseguia descobrir o que era.

Durante todo o percurso eu fiquei irritado, incomodado, confuso...

Queria saber por que e sobre o que mais Dani havia mentido e entendi naquele momento que nunca mais conseguiria vê-la da mesma maneira.

As coisas seriam diferentes quando as aulas voltassem e eu teria as férias inteiras para pensar no que faria a respeito.

E não foi fácil deixar os pensamentos de lado naquela noite.

Enfurnado no meu quarto, apenas sentia meus dedos fazendo o trabalho de ensaiar com o violão enquanto minha mente dava voltas e mais voltas.

Foi assim que encerrei o dia, sentindo os dedos latejarem de tanto tocar e caindo num sono pesado, ainda de uniforme, depois de tanto pensar.

Lembro de ter sonhado que mais uma vez Dani estava tirando minha sorte nas cartas de Tarot. Ela pedia para eu virar uma carta de cada vez, mas toda vez que eu fazia isso sempre saia a mesma, "O Louco", onde eu aparecia desenhado com um cachorro rasgando minha calça e minha bunda aparecendo.

Eu ficava frustrado por aquela carta sempre aparecer, mas Dani ria em cada ocasião enquanto continuava a pedir que eu virasse a próxima.

Por fim eu peguei todas as cartas e espalhei na cama.

Os desenhos desapareceram e apenas uma permaneceu ao contrário.

- Qual será essa? – Dani perguntou no meu sonho, sorrindo de um jeito esquisito.

Eu podia pressentir qual era, mas virei mesmo assim...