Hipocrisia sóbria de um filósofo bêbado

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- Corre no mercado e compra sorvete! – Julia praticamente ordenou cerca de dez minutos depois de eu ter ligado para a pizzaria e feito o pedido.

- O mercado já deve estar fechado, Julia.

- Então a padaria! Vai logo!

- Tá, tá! Sorvete de que?

- Chocolate! Não! Napolitano!

- Você nem gosta de sorvete napolitano, Julia.

- Mas tem que ser napolitano!

- Que? Como assim "tem que ser"?

- Só vai, Gabriel!


E assim fui empurrado para fora de casa, tanto por minha irmã quanto pela própria Bianca, com ambas dizendo de forma bem convincente que seu aparecesse de mãos vazias iria dormir na rua.

De chinelo e apenas com o dinheiro no bolso, acelerei o passo em direção à padaria mais próxima que ainda estava aberta.

A noite estava fria, o céu nublado e uma garoa fina e gelada caia sobre mim.

Abri a geladeira, peguei o sorvete, paguei e voltei, dessa vez caminhando com mais tranquilidade e aproveitando um pouco daquele clima que sempre gostei.


- Passa o sorvete e ninguém se machuca. – Bianca brincou, abrindo a porta assim que eu cheguei.

- O que você estão aprontando, afinal? – perguntei entregando o sorvete e entrando em casa.

- Você já vai descobrir.


E as duas correram de volta pra cozinha.

Eu realmente estava ficando curioso e pretendia checar com meus próprios olhos, mas então a campainha tocou e sai novamente para pegar a pizza.

Fui até o portão, peguei, paguei e voltei pra dentro em tempo de ver as duas aparecendo, cada uma com um copo na mão com direito a canudinho e tudo.


- Ah não... – falei, assim que notei a expressão em seus rostos.


Desde pequenas Julia e Bianca sempre tiveram duas formas muito diferentes de se comportar quando aprontavam alguma coisa.

Quando era algo na frente de nossos pais ou que eventualmente eles acabavam descobrindo, imediatamente se transformavam em coitadas. Dois cãezinhos abandonados com a cara mais sofrida do mundo. Com olhos marejados e tudo!

Agora, quando eu era o encarregado de cuidar delas e faziam algo que com certeza eu recriminaria, seus rostos assumiam outra aparência...

...Aquela.

Como pequenas criaturas endiabradas que sabem muito bem o que estão fazendo e simplesmente não ligam. Sem nem sequer se darem ao trabalho de esconder!

Não que Bianca costumasse aprontar muito.

Noventa e nove por cento das vezes ela só ia na onda da minha irmã.

Mas aquela ocasião... Bem, aquele foi o um por cento restante.


- O que vocês estão tomando? – inclinei a cabeça com olhar desconfiado e como não me responderam, fui até a cozinha e aproveitei pra deixar a pizza sobre a mesa de jantar. – Que cheiro é esse?

Por trás do toqueOnde histórias criam vida. Descubra agora