O coração das cartas

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A semana seguiu sem nada de diferente.

As aulas estavam quase acabando e os alunos cada vez mais preguiçosos.

Alguns professores já nem estavam mais dando aula.

Eu continuei acompanhando a Dani até sua casa e ficando algumas horas a mais para copiar a matéria que havia perdido. Não fazia ideia se algum dos professores realmente pediria aquele conteúdo em alguma prova no terceiro bimestre e tinha quase certeza que não.

Ainda assim, o que eu tinha a perder?

Então, quando a sexta feira chegou, eu já tinha copiado pelo menos metade de tudo e sabia mais a respeito da Dani.

Ela me contou que já havia viajado pra Europa, que havia feito ballet quando criança e era muito boa nisso e que também já tinha feito aulas de teatro e pensava em ser atriz. Segundo ela, esse era o motivo pelo qual não ligava de se trocar na minha frente.

Em casa ela normalmente vestia algo confortável e suas peças de roupa não variavam muito. Eu provavelmente já havia visto a maior parte de seu guarda roupa.

Também conheci sua avó, uma senhora simpática com mais de setenta anos, gentil, de fala calma e que realmente parecia não se importar de ficarmos no quarto sozinhos. Coisa que me surpreendeu bastante.

Não chegamos a conversar muito, mas ela disse ficar feliz em conhecer um amigo de sua neta e pra eu continuar a visita-la.

Descobri que Dani gostava de desenhar e me mostrou um caderno repleto de esboços que ela mesma havia feito.

Além disso, ela tinha um lado místico.

Guardava em uma caixinha de madeira uma coleção de pedras e disse que cada uma delas possuía um significado e uma propriedade mágica. De lá também tirou as cartas de tarot onde fez questão de espiar meu futuro.


- Embaralhe as cartas do jeito que você quiser e me devolva. – ela falou.

- Pode ser de qualquer jeito?

- Qualquer jeito.

- Ok...


Embaralhei bastante, encarando as cartas e misturando o melhor possível como se tentasse enganar a própria sorte.

Entreguei de volta para Dani e a vi me encarando com um sorriso no rosto.


- Que foi? – perguntei sem entender.

- Você é besta, Gabriel.

- Besta por que?

- Da aqui logo. – respondeu sem explicar, pegando as cartas da minha mão e colocando sobre a cama. – Agora corta em três montes.

- Tá...

- Vejamos o que diz a carta sobre o seu passado... Vira essa daqui primeiro.

- Essa?

- Isso... A Força... Mas a carta está de ponta cabeça. Essa carta diz que seu passado é preenchido por uma falta de vontade, apatia, vulnerabilidade e fraqueza. Talvez você se sentisse inferior e frágil ou sofresse com algum tipo de ameaça.

- Eeeeiitaaaaa! – exclamei. Aquilo era vago, mas ao mesmo tempo me identifiquei de tal forma que até hoje lembro como me impactou.

- Vire agora a carta do presente. Essa aqui. – Dani disse apontando e virei. – A roda da fortuna, também invertida...

- O que tem que ela tá invertida?

- Se a carta sai de pé tem um significado, se sai invertida tem outro.

- E isso é bom ou ruim?

- Bem... A roda da fortuna indica que alguma coisa está mudando na sua vida. Muito em breve as coisas não serão mais as mesmas, mas você talvez não queira ou não saiba como lidar com isso. Talvez você não aceite essa mudança, mesmo ela sendo inevitável.

- Não to gostando desse negócio... – falei, lembrando da Bianca.

- Eu só faço a leitura, você que tirou as cartas. – ela riu. – Vai, vira a última. A carta sobre o seu futuro.

- Não sei não se quero virar essa carta.

- Tá com medinho é? – Dani parecia estar se divertindo. Então eu apenas suspirei e virei, torcendo para que fosse algo bom... Mas não foi. – Vejamos... A torre...

- E o que isso quer dizer?

- Dessa vez ela não esta invertida. Quer dizer que seu futuro te reserva problemas, confusão, mudanças drásticas. Você vai passar por alguma grande complicação.

- Quando?

- E eu sei lá. Não dá pra saber isso pelas cartas. Mas dá pra ver na carta qual será o resultado disso. Quer ver?

- Quero... Eu acho. – mas percebi na minha própria voz que não tinha tanta certeza.


Dani colocou a carta da torre de lado e pediu para que eu virasse a próxima imediatamente abaixo. Vi brotar diante dos meus olhos um esqueletinho segurando uma foice, montado num cavalo e com o texto "A Morte" escrito no rodapé.


- Ah pronto. – falei de imediato. – Eu vou morrer.

- Claro que não, seu besta. – ela replicou, mas então ficou quieta. – Bem, eu acho que não.

- Você não tá ajudando.

- Pode ser que você morra, ué. Todo mundo morre um dia.

- A menos que seja um vampiro...

- Pois é.

- Tá... Mas então eu vou passar por um perrengue e vou morrer?

- A carta da morte geralmente significa renovação. O término de algo. O fim. Não necessariamente da sua vida, mas de alguma coisa na sua vida.

- Espero que seja o colégio...

- Vamos torcer né.

- Acho que eu não gostei desse negócio de tarot.


E Dani riu.

Felizmente, minutos depois, eu já havia deixado tudo àquilo pra lá.

Apenas hoje, junto de um frio na espinha enquanto relembrava e escrevia esse capítulo, percebi como aquelas cartas estavam pra lá de certas.


No dia seguinte eu fui ensaiar.

Segui pelo caminho morrendo de vergonha enquanto carregava a guitarra rosa.

Conversei com a Érika e com a Diana sobre minha irmã e Bianca irem assistir o ensaio e elas adoraram a ideia. Jean, no entanto não pareceu tão empolgado.


- A gente tá longe de estar bom e já vai chamar gente pra ver? – ele falou.

- Larga a mão de ser chato, Jean. – Érika replicou.

- É pra festa da Bianca que eu to procurando um lugar, mas ela ainda não sabe disso.

- Por falar nisso, o lugar que eu falei sairia por quinhentos reais, Gabriel. – Diana falou.


"Quinhentos reais." – repeti mentalmente.

Era salgado, mas talvez valesse a pena. Então pedi para que ela me falasse mais a respeito.


Por trás do toqueOnde histórias criam vida. Descubra agora