Casos de família

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Sexta feira...

O capítulo anterior era pra ter chegado até aqui, mas acabaria ficando longo demais.

Os gritos começam pouco depois da janta e antes da Tela Quente começar.

Tenho certeza disso, por que me lembro de estar na sala assistindo televisão. A Julia largada em um sofá e eu no outro, morrendo de saudades da Bianca e pensando no que ela estaria fazendo àquela hora do outro lado do mundo.


- Ronaldo! Que merda é essa?!

- Eu já te falei!

- Você não disse porra nenhuma, Ronaldo! Você vai me explicar agora!

- Explicar o que?! Ahn? O que?!


Mesmo de porta fechada, tenho certeza que até os vizinhos conseguiam ouvir os dois.

Meus pais não costumavam brigar.

Na verdade o relacionamento deles se enquadrava numa categoria que talvez hoje em dia eu definisse como tedioso e pacato.

Um típico casal da época que havia seguido o script cultural.

Eles trabalharam, se casaram, tiveram filhos e... É isso.

Missão cumprida, eu acho.


Olhei para Julia que, ainda deitada no sofá, segurava uma almofada sobre o ouvido que estava pra cima. Ela odiava quando nossos pais discutiam daquele jeito e nós dois sabíamos que não havia nada o que pudéssemos fazer a respeito.

Havia essa estrutura, uma barreira invisível que separava o que era coisa de crianças de coisas de adultos.

Era algo que nossos pais haviam herdado de seus pais. Uma tradição passada de geração em geração que determinava uma hierarquia de comunicação.

Ou mais precisamente da falta dela.

Pelo que eu entendia da coisa toda, como eles já eram um casal antes de aparecermos no mundo, Julia e eu não tínhamos que nos envolver com seus problemas. Fossem eles quais fossem. Mesmo quando claramente nos afetava.

Além disso, eram mais velhos e portanto deviam ser respeitados.


Eu contei os segundos mentalmente até meu pai escapar do quarto e quando cheguei no quarenta e três vi a maçaneta se mover, mas a porta não se abriu.

Aparentemente eu não fui o único a prever o que aconteceria e assim como a Rebeca minha mãe também parecia saber algo sobre trancas e chaves.

A discussão continuou.

Aumentei o som da televisão, mas depois de quase trinta minutos percebi Julia encolhida no sofá, de olhos fechados, como um cãozinho que se esconde do som dos trovões.

Levantei imediatamente e puxei a almofada de cima de sua orelha.


- Vem Ju, vamos tomar um sorvete.


Eu não fazia ideia se encontraríamos alguma coisa aberta naquele horário, mas qualquer desculpa era válida pra fugir daquele inferno.

Por trás do toqueOnde histórias criam vida. Descubra agora