"O que raios esta acontecendo afinal?"
O pensamento me passou pela cabeça enquanto corria atrás de Bianca, que por sua vez corria atrás de Julia.
Ao nosso redor as pessoas gritavam e riam empolgadas. Algumas apoiando, outras caçoando e a maioria apenas querendo participar.
Então, próximo o suficiente, ouvi Julia gritar:
- Sai! Não chega perto de mim!
- Julia... Não é nada disso... – Bibi estava congelada no lugar e algumas pessoas ao redor assistiam tudo com atenção fazendo uma rodinha.
- Eu não quero saber! – e me avistou assim que cheguei perto. – Gabriel, eu quero ir embora.
- Julia... – comecei a falar, mas ela não me deu oportunidade sequer para que terminasse a frase.
Ela abriu caminho pela multidão, se afastando de nós para um canto isolado.
Bianca estava de costas para mim e também ia se afastando na direção oposta sem sequer me olhar.
- Bibi...? – arrisquei e ela parou no lugar, falando sem se virar.
- Eu acho que também quero ir embora, Gabriel...
"Gabriel."
Sabe aquela sensação quando o som do seu próprio nome chega a dar medo?
Eu nem sequer consigo me lembrar de outra ocasião na qual ouvi Bianca me chamar daquele jeito.
Havia tristeza e desprezo em sua voz.
E partir daqui não há muito mais o que dizer.
Cada uma foi para um canto onde outras amigas se prontificaram a tentar entender o que estava acontecendo.
De longe ainda vi o tal do Ricardo junto de dois garotos. Ele parecia estar tentando se aproximar de Bibi enquanto era impedido pelas amigas dela. Tive a impressão de ver uma delas apontando na minha direção e pouco depois deles olharem para mim acabaram desistindo.
Não sei o que disseram pra eles, mas minha cara não devia estar das melhores.
Eu não estava apenas irritado, também estava com ciúmes e mesmo sendo péssimo em briga, sentia algo revirando por dentro, algo que me forçava a me segurar para não ir deitar o moleque no soco.
Não que ele tivesse alguma culpa e eu sabia disso.
Então Diana me chamou no microfone e vi que a banda me esperava para o ultimo bloco.
Eu não estava com um pingo de vontade, mas fui mesmo assim.
Fui por ser burro e não saber o que mais eu podia fazer.
Simplesmente não conseguia pensar direito e no momento em que subia no palco uma amiga da Julia avisou que seus pais dariam carona pra ela de volta pra casa.
Pouco depois, enquanto tocávamos a segunda música, vi Bianca junto de duas amigas se despedindo de algumas pessoas e saindo pela porta.
E então... Fim...
Triste, irritado, furioso, ansioso, angustiado...
Minhas emoções oscilavam junto dos meus pensamentos enquanto meus dedos deslizavam automaticamente pelas cordas.
E a coisa ficou ainda pior pra mim quando chegamos na ultima musica e a pessoa que eu tanto queria que a ouvisse não estava mais ali.
Quando a festa acabou, depois de desmontar tudo e devolver a chave do salão, tentei dispensar a carona do Cris, mas a Erika não deixou.
- Você vem com a gente. – falou num em um tom de voz sério e me segurou pelo braço.
- Não to muito bem hoje, Erika.
- Se você for pra casa vai resolver alguma coisa? – ela me soltou e pareceu genuinamente curiosa.
- Não sei... Acho que não.
- Então vem. Vamos conversar.
Dali nós fomos para a Praça Silvio Romero e durante todo o percurso os três conversaram empolgados a respeito da nossa estreia. Estavam cheios de ideias, querendo tirar musicas, adicionar outras e até compor.
Eu respondia quando falavam comigo, mas não conseguia fazer mais do que isso.
Chegando lá Cris e Diana trataram de ir comprar bebida enquanto Erika e eu ficamos pra trás.
- Desembucha. Que tá pegando?
Eu respirei fundo e olhei bem para Erika.
Me perguntei quando é que tínhamos nos tornado tão próximos e depois de um longo suspiro e alguns segundos de silêncio, abandonei minha resistência, organizei meus pensamentos e comecei do começo.
Contei pra ela quem era a Bianca.
Não da maneira superficial que havia dito da primeira vez: "minha amiga que fará quinze anos", mas sim quem era ela aos meus olhos.
Desde quando a conhecia, a viagem pro Japão, a maneira como nos envolvemos e o que tinha acontecido na festa. Não entrei em muitos detalhes, mas tentei ser o mais claro possível.
Erika ouviu a tudo sem fazer muitos comentários.
- E agora eu não faço ideia do que esta acontecendo e muito menos o que fazer. – disse encerrando o relato. – Você é a única pessoa que sabe de tudo isso.
-Gabriel... – Erika olhou bem no fundo dos meus olhos e por um momento ficamos nos encarando em silêncio. – Às vezes você é burro pra caralho.
- Ah! Muito obrigado!
Já imaginava que ela fosse dizer algo do tipo.
Jamais que Erika iria perder aquela oportunidade e pra falar a verdade, eu bem que precisava ouvir em alto e bom tom algo que eu mesmo estava pensando a meu próprio respeito.
Então, apesar de tudo, estava me sentindo um pouco melhor.
Contar para Erika acabou tirando um peso das minhas costas. Mas isso só durou até ouvir sua próxima pergunta:
- Quando ela vai embora?
Foi como se alguém enfiasse a mão no meu peito e esmagasse meu coração.
Eu vinha me esforçando demais para não pensar naquilo.
Senti meu corpo perder as forças e me curvei apoiando o rosto entre as mãos.
- Três dias. – sussurrei. Tão baixo que eu mesmo quase não me ouvi.
- Que?
- Daqui a três dias... – e olhei para Erika. – Ela vai pro Japão daqui a três dias.
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Por trás do toque
NonfiksiGabriel é um garoto tímido de dezesseis anos que empurra a vida com a barriga evitando pensar sobre o futuro. Tudo estaria ótimo se não fosse por seus pais decidindo que já é hora dele começar a trabalhar e assim, influenciado por sua melhor amiga N...