Tá... Agora não falta muito.
Depois desse trágico evento hospitalar as coisas mudaram lá em casa.
Minha mãe parou de tomar o remédio pra dormir e voltou aos poucos a cuidar das tarefas domésticas. E meu pai começou a marcar encontros, nos buscando e entregando na frente de casa para que ele e minha mãe não precisassem se ver.
Eu não sabia se haviam ou não chegado a um acordo sobre o rateio dos nossos gastos, mas não houve mais discussões. Pelo menos não na nossa frente.
E apesar disso parecer melhor, a real é que ninguém ali estava bem.
Era como um grande teatro e principalmente pela Julia e também em respeito ao esforço dos envolvidos, voltei a vestir a máscara do bom filho e fiz o meu papel, fingindo não ver que agora minha mãe bebia antes de dormir e que meu pai simplesmente não tinha assunto com a gente.
Me perguntava se na realidade ele não estava usando os encontros como desculpa para escapar da outra mulher, mas esse era um assunto sobre o qual nem Julia, ele ou eu parecíamos dispostos a conversar.
Dentre todos, Ju era a que parecia estar melhor e o único problema no caso dela era a expectativa de que nossos pais voltassem a ficar juntos.
Eu sabia que aquilo nunca iria acontecer, mas não sabia se devia ou não falar com ela sobre isso. Na real, não acho que eu estava sequer em condições de fazer isso.
Já aconteceu de você se dar conta de algo só depois que fala pra alguém?
Tudo o que eu disse no hospital acabou não sendo apenas para os meus pais.
Ouvir a mim mesmo fez com que eu percebesse coisas que fizeram com que me sentisse ainda mais sozinho e sem rumo.
E o resultado disso foi uma sensação ainda maior de cansaço...
Mas eu precisava funcionar.
Foi isso que passei a dizer pra mim mesmo e também algo que escrevi várias vezes, preenchendo uma folha de caderno durante uma aula qualquer.
"Eu preciso funcionar."
Uma escolha curiosa de palavras, se você parar pra pensar.
Na época eu não me dei conta, mas era como se tivesse desistido de estar bem ou ser feliz.
Sentia como se estivesse lutando contra minhas emoções.
Não uma luta em que eu tentava ganhar, mas sim onde eu me esforçava para não perder.
Só que a cada dia eu perdia um pouquinho mais...
Na escola eu estava indo mal nas matérias, mas não conseguia me importar com isso.
Dani me chamou pra estudar em sua casa e como nem ela e nem eu voltamos a tocar no assunto, achei que a coisa toda tinha ficado por aquilo mesmo.
"Por que não?" – pensei comigo. – "Somos apenas amigos, afinal".
E eis que naquela mesma tarde acabamos os dois nus deitados em sua cama.
Na hora de ir embora, mais uma vez nos despedimos com beijos na bochecha e depois de uma terceira vez essa meio que virou nossa rotina.
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Por trás do toque
NonfiksiGabriel é um garoto tímido de dezesseis anos que empurra a vida com a barriga evitando pensar sobre o futuro. Tudo estaria ótimo se não fosse por seus pais decidindo que já é hora dele começar a trabalhar e assim, influenciado por sua melhor amiga N...