Então a terça feira chegou e mais uma vez eu estava amando não ter de ir para a escola.
Gastei todo o período da manhã ensaiando com o violão sem ter mais o que fazer e aproveitei que estava inspirado para, pela primeira vez, me arriscar tentando escrever uma música.
Julguei que ficou uma porcaria, mas guardei mesmo assim.
Então quando deu a hora, tomei um banho, me arrumei e fui para o trabalho no exato momento em que Julia e Bianca chegavam do colégio.
Foi estranho me despedir da Bibi antes de sair.
Encarar seu sorriso e querer beijá-la me colocou frente a um inesperado conflito interno que fui digerindo durante todo o trajeto até o Morumbi.
Minha cabeça se encheu de coisas que até então eu não havia parado pra pensar.
Veja bem, eu não queria ser um Jonas da vida e trair a Bianca.
Mas pra começo de conversa, nós estávamos namorando?
E se não estávamos, então o que nós éramos?
Nós havíamos nos beijado algumas vezes, mas isso era o suficiente pra se tornar um namorado?
E por mais que eu não queira ter de ficar situando a história cronologicamente, não posso deixar de dizer que o conceito de "ficar" ainda não existia ou se existia eu desconhecia por completo.
Minha situação estava mais próxima de "enrolado" do que qualquer coisa e isso sim parece ser uma constante universal humana que independe de época. Não importa quando, não importa onde, sempre haverá alguém que está "enrolado".
Mas então? Será que estaria tudo bem em continuar a atender a dona Fátima daquele jeito? E será que haveria alguma chance de continuar a atendê-la só como massagista? Sem o "bônus"?
E o pior é que eu gostava desse extra, mesmo não sentindo nada pela dona Fátima.
Eu ainda era pago pra isso, então não contaria apenas como trabalho?
Claro que essa última linha de pensamento foi bem rápido de descartar.
Afinal, você consegue se imaginar na minha situação, chegando pra sua namorada e dizendo "mas é só meu trabalho, amor."?
Acho que mulher nenhuma no mundo iria engolir isso de bom grado.
E sendo um cara que prezava pela "honra" e fiel até mesmo às promessas mais banais, aquilo tudo começou a me incomodar profundamente.
Chegou ao ponto de eu realmente pensar em faltar ao atendimento e já estava quase saltando do trem para voltar pra casa quando uma nova onda de pensamentos me levou a refletir sobre as repercussões daquela decisão.
O que aquilo iria resolver afinal?
Sem trabalhar eu conseguiria ter dinheiro suficiente pra ajudar a concluir a lista de coisas a fazer antes do adeus?
Bianca estava mais alegre depois daquilo e fui eu mesmo quem propôs a ideia.
E seria certo simplesmente parar de ir trabalhar sem dizer nada pra dona Fátima?
Ela possivelmente ficaria preocupada já que nossa relação de empregado e contratante não era exatamente comum.
Minha cabeça parecia pesar uma tonelada quando entrei na sala de massagem naquele dia, ainda sem ter a menor ideia do que fazer.
Para minha sorte ou azar, mais uma vez dona Fátima só quis massagem.
Sorte por que me senti profundamente aliviado em relação a tudo o que vinha pensando. Mas então comecei a me preocupar se eu havia feito algo de errado.
Será que ela havia ficado chateada comigo? Sobre a história de me dar aula e os duzentos reais ou outra coisa qualquer?
Ou será que eu a tinha machucado naquela empolgação na banheira?
Será que ela simplesmente não gostou de alguma coisa que fiz naquela ocasião?
Lá estava eu em silêncio pensando em todas essas coisas e revisando minhas memórias enquanto massageava as costas da dona Fátima que começou a falar:
- Você já está de férias, Gabriel? – perguntou casualmente entre os apertos das minhas mãos.
- Ainda não. – respondi voltando pra realidade e notando que pelo menos ela não parecia irritada.
- E quando começa? – ela insistiu. – Quero saber se você vai poder continuar a me atender ou vai viajar.
"Férias! É claro!" – pensei comigo.
E foi assim que a própria dona Fátima deu a solução para o conflito que vinha me atormentando desde que sai de casa.
- Meus pais estão pensando em viajar. – menti, mas não totalmente, me agarrando a oportunidade com unhas e dentes. – Então pode ser que eu tenha que viajar com eles.
- Eu imaginei. – ela tirou a cabeça do apoio de rosto e se virou para me olhar sorrindo. – E quando é que você vai ter certeza?
- Posso confirmar e te falo na quinta feira mesmo. Pode ser?
- Sim, de preferência. – ela colocou o rosto de volta. – Logo eu também terei que fazer uma viagem para o exterior, então se você for viajar eu não corro o risco de você preencher meu horário com outra cliente. Mas se for ficar, então precisamos combinar os dias que você virá.
"Outra cliente?" – pensei.
Sorri e não disse mais nada.
Eu não fazia ideia se ela estava brincando ou não já que seu tom de voz era alegre, mas por algum motivo isso fez com que eu me perguntasse que tipo de imagem ela tinha de mim.
Não que fizesse qualquer diferença, afinal logo a seguir, me peguei olhando para sua bunda, lembrando da banheira e concluindo que não me importaria nem um pouco em ter outras clientes desde que fossem como ela.
Claro que também me recriminei por isso.
No que eu estava me transformando, afinal?
Eu esperava aquilo saindo da boca do Thiago ou do Tobias e não fluindo livremente pelos meus próprios pensamentos.
Seria esse um efeito colateral de perder a virgindade? Ou será que dona Fátima não estava exatamente brincando quando disse que ia me perverter todinho?
Deixo pra vocês essas dúvidas e digo que quando voltei pra casa aquele dia, por mais que estivesse satisfeito com como as coisas haviam se desenrolado na sessão, uma parte de mim mais uma vez estava frustrada por não ter acontecido mais nada.
Abandonei assim um conflito interno apenas para me afundar em outro.
Pelo menos esse passou antes mesmo de eu chegar em casa.
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Por trás do toque
Non-FictionGabriel é um garoto tímido de dezesseis anos que empurra a vida com a barriga evitando pensar sobre o futuro. Tudo estaria ótimo se não fosse por seus pais decidindo que já é hora dele começar a trabalhar e assim, influenciado por sua melhor amiga N...