Luto pós separação.

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Ela desceu as escadas como quem desaba em silêncio. Passos lentos, os olhos baixos, e o corpo todo dizendo o que a boca não tinha forças pra articular. Vívian sempre foi barulhenta, intensa, dessas que enchem a casa com riso e histórias, mesmo quando a vida não ajuda. Mas agora... agora ela era outra. Ou, talvez, fosse a mesma — só que quebrada em partes que nem ela sabia onde colar.

Vi quando passou por mim e tentou sorrir. Um sorriso sem canto, sem alma. Sorri de volta, mas com o peito apertado. Não é fácil ver uma irmã forte se curvar diante da tristeza. Dá vontade de brigar com o mundo, de sacudir tudo pra que a dor dela se cale. Mas com a Vívian nunca funcionou assim. Ela sempre foi dessas que precisa viver até o fim o que sente, mastigar a dor antes de conseguir cuspir.

— Tália: Fiz arroz e ovo frito... do jeito que você gosta — falei, tentando parecer casual, como se cozinhar fosse minha única linguagem de amor. Às vezes é.

Ela assentiu com os olhos e se sentou à mesa. Comeu pouco. Devagar. Como quem se obriga a continuar. Os cachorros se deitaram aos pés dela, atentos, como se também sentissem. No fundo, acho que sentem mesmo. Os animais percebem o que a gente tenta esconder.

— Tília: Tia... você tá triste? — perguntou baixinho, como só uma criança é capaz de perguntar, sem medo da resposta.

Vívian sorriu de novo. Um pouco mais verdadeiro agora. Acariciou os cabelos da Tília e respondeu apenas com um beijo na testa. A menina voltou a brincar, e minha irmã ficou ali, imóvel, olhando sem ver, como quem assiste a própria vida do lado de fora.

À noite, fui até o quarto dela. Não bati na porta. Entrei de mansinho, como fazia quando éramos adolescentes e ela chorava escondido por causa de alguma briga com a nossa mãe. Naquela época, eu deitava na cama com ela, ficava quieta até ela começar a falar. Hoje, fiz o mesmo.

Ela estava deitada de lado, abraçada com um travesseiro, e eu sabia que Gabriel dormia ali, no outro canto daquela ausência. O quarto dela cheirava a lembrança. Perfume misturado com saudade.

— Tália: Quer conversar?

Ela balançou a cabeça. E eu respeitei. Deitei ao lado dela. Ficamos em silêncio. Vívian chorou um pouco, sem barulho, só o tremor nos ombros entregava.

— Tália: Eu te amo, tá? Mesmo quando você não se ama. Mesmo quando tudo isso parecer que não tem volta.

Ela virou o rosto pra mim, os olhos marejados, e sussurrou:

— Vívian: Eu estraguei tudo...

— Tália: Talvez. Ou talvez só esteja doendo porque era verdadeiro. E o que é de verdade, quando quebra, machuca muito mais.

Ela fechou os olhos. Deitou a cabeça no meu braço, como fazia quando era pequena. E eu fiquei ali, como irmã mais velha e mais nova ao mesmo tempo, como apoio e abrigo. Porque o mundo podia desmoronar lá fora, mas dentro daquele quarto, dentro da nossa casa, dentro dos nossos laços, minha irmã não ia se perder sozinha.

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