Após receber um convite do chá revelação da prima Vívian de ver doida ao ter que reencontrar a família após anos do pior acontecimento de sua vida, ao se ver num beco sem saída ela não tem outra escolher a não ser levar seu vizinho o apresentando co...
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Não me surpreendeu saber que foram Carla, com seu caráter duvidoso, a responsável por toda aquela tormenta. Após o café, acompanhei Vívian enquanto ela se dedicava a fazer o boletim de ocorrência virtual, uma formalidade dolorosa, mas necessária.
— Vou abrir medida protetiva contra ela — disse, firme, como se precisasse criar uma barreira invisível para se sentir segura.
— Melhor assim — respondi, a voz carregada de preocupação e esperança.
Não voltamos para casa naquele dia. No dia seguinte, fomos à delegacia. Entregamos o pendrive, peça concreta do sofrimento, pedimos a medida protetiva e soubemos que Carla tinha um mandado de prisão em aberto. A justiça parecia dar seus primeiros passos.
— Fico triste pela minha mãe — falou Vívian, a voz embargada. — Não queria que fosse assim.
— Mas tem que ser — respondi, tentando ser firme mesmo com o coração apertado.
No sinal, uma mulher vendia balas, um bebê de meses no colo, e logo surgiram mais três crianças pequenas, como sombras que seguiam a mãe. Olhei para aquela cena, e um nó se formou na garganta.
— Não tem comida para pôr na mesa e, mesmo assim, faz filho — falei, a voz baixa. — O governo oferece camisinha, vasectomia para o homem, laqueadura para a mulher...
— Concordo com você, mas me dá pena das crianças — Vívian abriu a janela do carro e entregou duas notas de cem para o menino. A mãe as pegou com pressa, os olhos no dinheiro, talvez ignorando os filhos.
— Usa os filhos para isso — disse, reprovando.
— Quando fogem de casa, acabam como aqueles meninos. Tento trabalhar até de madrugada para que eles não se envolvam com o que não devem — disse Vívian, a preocupação estampada no rosto.
— Só estudar — sugeri, com um toque de ironia.
Ela revirou os olhos e rebateu:
— Tá bom, Gabriel. Só estudar. Mas eles têm que trabalhar também, ou não comem. Com quantos anos você começou a trabalhar?
— Vinte e três — respondi, com sinceridade. — Meus pais tinham condições de me sustentar.
— Exatamente — disse, firme. — Os seus pais tinham os deles. Muito pelo contrário, na vida deles é "cada um por si". Não existe essa de papai e mamãe bancando.
— Não vou entrar nessa discussão — respondi, tentando desviar o tema enquanto acelerava o carro.
— Acho que você não tem consciência de classe — disse ela, ríspida.
O peso daquela conversa me acompanhou nos dias seguintes. Refliti sobre tudo, busquei entender mais sobre consciência social e vi que meu problema não era a falta de entendimento, mas o uso impreciso das palavras. O estudo, de fato, poderia transformar vidas — mas faltava acolhimento, cuidado, um ponto de apoio que fosse mais do que teoria.