VERSÃO ANTIGA

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Um silêncio estranho e desconfortável nos serpenteou até o nosso destino: meu restaurante de massas favorito. A ansiedade para que aquela conversa começasse era grande, mas uma comida gostosa com certeza deixaria tudo mais fácil. Um rapaz simpático nos atendeu com entusiasmo e um largo sorriso. Direcionado principalmente para a minha colega de faculdade, que parecia não notar. Pedimos um vinho. Optei por um nhoque, enquanto Nay pediu uma lasanha. Assim que ficamos a sós, parecíamos desconfortáveis outra vez.

− E então...? - incentivei-a. Ela abriu a boca para dizer algo, mas o garçom voltou com a nossa bebida. Esperamos que ele nos servisse e só depois de um longo gole foi que Nayara me encarou.

− Estou tão mortificada que nem sei por onde começar - sussurrou de um jeito triste, sem me encarar.

− Não precisa, Nay. Já passou... Inclusive, gostaria de me desculpar por ter insinuado que você era preconceituosa. Sei que o que aconteceu não tem nada a ver com isso. Não soube me expressar bem, estava nervoso e magoado... Eu deveria ter lhe contado antes, ter te preparado de alguma forma. Mas nós podemos deixar esse episódio para trás. Somos bons amigos e isso é tudo.

Nayara parecia prender a respiração. A cada palavra minha, seu rosto era tomado por uma sensação diferente. Não conseguia, de forma nenhuma, decifrá-la, de modo que apenas esperei. Ela tentava organizar os próprios pensamentos e eu lhe dei todo tempo necessário para isso.

− Foi um erro - finalmente se pronunciou, ainda que bem baixinho. - Não o que aconteceu, mas a minha reação. Nunca passou pela minha cabeça que você fosse... Diferente. É só que, eu sempre olhei para você e vi um homem privilegiado, sabe? Branco, bonito, sarado, com uma excelente condição financeira... No começo, te achei um mimadinho, confesso. Mas aos poucos fui percebendo como você é por dentro. Humilde, simpático, carismático, excelente amigo, honesto... Mudei, em pouquíssimo tempo, todos os meus conceitos equivocados. Mas isso não mudava o fato de você ser um privilegiado. Saber que eu estava totalmente enganada foi um choque muito grande. Você é tudo que eu achei que não fosse. E, bom, nunca me envolvi com um homem trans, nunca nem conheci um, para ser sincera. Não soube como agir.

− Eu entendo isso, Nay. E é por esse motivo que me desculpo pelas coisas que disse. O que mais me chateia, não só com você, mas também com outras mulheres, é o fato da pessoa simplesmente ir contra os seus instintos em virtude do que lhe diz seu cérebro. Você estava gostando, eu estava gostando... E assim continuaria, se você tivesse se permitido. Seria diferente, é verdade, mas seria incrível - seus olhos castanhos piscaram repetidas vezes e um sorriso triste tomou sua face.

− Sim, eu sei e é por isso que estou morrendo de ódio de mim mesma... Desde que te conheci queria que você me notasse, que pudéssemos ser mais do que amigos e quando isso por fim acontece, eu meto os pés pelas mãos. Não parei de pensar em você um minuto sequer, Noah. E quando a Marcela atendeu o seu celular e disse que... Bem... Eu fiquei sem chão. Era comigo que você deveria estar. E talvez estivesse, se eu não tivesse sido tão estúpida. Tudo o que mais quero agora, é que você me dê uma chance para recuperarmos o tempo perdido. Vou fazer melhor, juro que sim. E vou tentar entender você... Sei que podemos dar certo.

Nayara continuou falando, mas eu, sei lá, fui catapultado para outra dimensão. Ela estava arrependida e queria voltar atrás? E não é só isso... Pelo seu discurso, parece que quer algo sério. Não, eu não tinha pensado nisso. Meu único pensamento tinha sido apagar o episódio de quase-sexo e seguir em frente como se nada tivesse acontecido. Nayara dizia que não havia parado de pensar em mim um minuto sequer e isso era aterrorizante. Porque depois de ficar com a Marcela, eu nem ao menos tinha pensado nela. Só quando ela me ligou, é claro, mas no minuto seguinte a brasileira agarrava minha cintura com suas pernas e eu não conseguia pensar em mais nada. Em mais ninguém. Nem mesmo em Nayara.

SINGULAR (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora