VERSÃO ANTIGA

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Eu precisava de um tempo sozinho. Precisava, sei lá... Pensar no ocorrido e ficar me torturando um pouco mais. Eu odiava esse meu lado masoquista. O que a Nina faria no meu lugar? Bufei enquanto saía do prédio da Nayara. Eu estava mesmo pensando na Nina? Justo agora? Era para ferrar de vez, não é? Tipo... Já que entrou um caco de vidro no meu peito, vou aproveitar e enfiar uma estaca inteira, para que poupar?

Onde estava o meu carro? Olhei em volta e... É mesmo, eu tinha vindo caminhando. Resolvi que caminhar seria bom, me permitiria pensar sem colocar muitas vidas em risco. Então eu caminhei... Caminhei, caminhei, caminhei mais um pouco. Caminhei até o ar me faltar e as pernas doerem. Quando me permiti parar, desabei em um banco desconhecido, em uma praça desconhecida, cercado por desconhecidos. E então tornei a pensar. Eu adorava a Nayara e não deixaria que esse sentimento sumisse de uma hora para outra. Ela tinha qualidades incríveis e era uma excelente companhia. Não podia, de forma nenhuma, julgá-la por não estar pronta para ficar comigo... De forma mais íntima. Eu estava, inclusive, arrependido de ter insinuado que ela era preconceituosa. Não havia nada, nada a ver com preconceito. O que me doía mesmo era o fato de ela refrear os próprios desejos em virtude do que lhe dizia seu cérebro. Por que tentar entender com a mente quando o nosso corpo parece ter todas as respostas? Às vezes, até mesmo nosso coração.

Nayara e eu nos entenderíamos. Voltaríamos a ser amigos e ponto final. Aquele episódio de quase-sexo seria deixado para trás e eu tentaria não permitir que ele abalasse a minha confiança.

Segui de volta para o apartamento, ainda um pouco absorto. Fiquei feliz por encontrar Nico logo na esquina do nosso prédio. Meu irmão é muito perspicaz – ou talvez ele apenas me conheça bem demais – e notou que havia algo de errado. Não tínhamos segredos um com o outro, então lhe contei. Ele pareceu tão arrasado quanto eu, e justo quando pensei que fosse dizer algo para me animar, ele apenas riu. Riu abertamente como se eu tivesse acabado de lhe contar a piada do século.

− O que é tão engraçado? – perguntei enfezado.

− Você tem sorte, cara – disse entre risos. – Um homem "normal" – ele fez aspas no ar e logo prosseguiu – teria brochado de forma muito mais evidente. Pelo menos você saiu de lá com alguma dignidade.

− Que pensamento machista – retruquei, embora aquilo tenha soado melhor que qualquer frase consoladora.

− Eu sei e é por isso que é tão engraçado... Você e eu... Machistas... Dá para imaginar? – ele me cutucou de um jeito brincalhão e eu acabei rindo também. Meu irmão tinha essa estranha capacidade de me distrair dos problemas. Desde pequeno. Desde quando ele colocava o som bem alto para que eu não escutasse as brigas dos nossos pais. Ele continuava fazendo isso por mim. Sempre. – Sabe do que estamos precisando?

− Eu ia dizer que estamos precisando de umas gostosas... Mas você tem a Nina – me fiz de coitado e o pior é que eu era um pouco mesmo.

− Pois é. Eu já tenho uma gostosa... Gostosa é pouco, na verdade. Mas sei que você também vai encontrar a sua. Enquanto isso não acontece, deveríamos assistir South Park.

− Você não poderia ter mais razão!

Chegamos ao apartamento e jogamos nossos tênis em qualquer lugar. As mochilas ficaram em cima da mesa, como quando éramos adolescentes, e nós nos jogamos no sofá em tempo recorde. Marcela havia saído para procurar um apartamento e mandou mensagem avisando que estava na confeitaria com a minha cunhada. Quando invadiram o apartamento, sorridentes e descontraídas, deixaram tudo mais leve, o que é irônico, considerando que uma delas é a Nina. Elas classificaram South Park como uma "comédia barata" e eu quase travei uma discussão com elas, que só não aconteceu, pois elas se ofereceram para preparar o nosso jantar. Certo, era melhor eu ficar na minha.

SINGULAR (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora