SINGULAR (degustação)

Capítulo 29

Não conseguimos solicitar um carro que comportasse mais de quatro pessoas. E, como estávamos num grupo de dez, duas pessoas precisariam ficar de fora. Rapidamente, me voluntariei para tal e sugeri que a Rafa me acompanhasse. Por sorte, ela aceitou sem problemas. Uma das meninas, no entanto, precisaria ir no carro com os meus companheiros de viagem, com quem ela nunca tinha trocado meia palavra sequer. Então, ela resolveu ir conosco em um terceiro táxi. A ideia de ficar a sós com a Rafa e retomar nossa conversa acabou indo por água abaixo.

Quando finalmente conseguimos um carro, nos acomodamos no banco traseiro e demos todas as instruções necessárias ao motorista. O silêncio que se instalou foi um tanto constrangedor, mas deu-se única e exclusivamente por causa de Nicole (só me lembrei de seu nome porque a Rafa o havia pronunciado há pouco). Se estivéssemos a sós, estaríamos conversando, rindo e nos divertindo.

− Prometi ao Stanley que voltaria para Nova York sem nenhum quilo extra – Nicole, a jovem negra e excessivamente magra, comentou enquanto encarava seu celular de forma entediada. – Se eu comer só salada e malhar duas horas por dia, pode até ser que consiga tomar uma vodka ou uma cerveja...

− É desumano não ingerir nada realmente substancial, malhar pesado e ainda tomar álcool – Rafa alertava a amiga. – É tipo uma bomba fatal para o corpo.

− Fatal seria voltar gorda, Rafaella – Nicole devolveu, respirando fundo e não desviando a atenção de seu celular. Aquilo me irritou. Tive vontade de segurar aquela magricela e quebrá-la ao meio em dois segundos para parar de ser tão irritante.

Rafa havia ficado calada. Ela estava tentando proteger a amiga e havia levado um fora totalmente desnecessário. A cada segundo, eu compreendia mais e mais o fato dela ser "excluída". Até eu gostaria de me excluir voluntariamente em um grupo como aquele. Aquelas meninas pareciam tóxicas... E Rafaella era a resistente, que não se deixava contaminar.

Quando chegamos ao bar, Nicole guardou o seu celular e foi a primeira a sair. Rafa e eu fizemos o mesmo logo em seguida. Nossos amigos nos aguardavam e era bem evidente a falta de entrosamento entre os dois grupos... O que era uma pena. Considerando que seremos vizinhos pelos próximos seis dias, seria legal se nos déssemos bem.

O local já estava cheio, mas apesar disso, Nico descolou uma boa mesa para nós. As modelos pediram um drink e perguntaram se podiam deixar suas bolsas em nossa mesa, enquanto elas iriam dar uma volta. Assentimos. Rafa, felizmente, resolveu ficar conosco, o que era uma escolha muito, muito sábia. Avaliamos o cardápio e logo fizemos nosso pedido. Cada um escolheu uma bebida e, em conjunto, resolvemos pedir uma porção de batata frita com queijo e bacon. Quando a comida finalmente foi servida (havíamos comido uma pizza há pouco, é verdade, mas já estávamos com fome novamente), a conversa teve seu ritmo diminuído em função das bocas mastigantes. Rafa era a única que não comia, o que parecia uma verdadeira afronta.

− Todo mundo ama essa combinação fatal de gordura – aleguei, levando uma batata até sua boca, que, irritantemente, se mantinha fechada.

− Não estou com fome, é sério – respondeu, nem um bocado convincente.

− Não te conheço há muito tempo, mas você é o tipo de pessoa que não sabe mentir – insisti e ela transpareceu sua indecisão.

− Estou de dieta – confessou baixinho, apenas para mim.

− Você está com algum problema de saúde relacionado à alimentação? – questionei, semicerrando os olhos em sua direção. Comi a batata que estava entre meus dedos.