− Como se sente, Noah? − perguntava-me Madalena, minha psicóloga.
− Confuso − respondi de imediato.
− Vamos conversar sobre isso? − ela me perguntou. Assenti. Sentia-me incrivelmente confortável para ser eu mesmo diante dela.
Mas nem sempre as coisas foram assim...
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(por Elena)
A maternidade sempre fora um sonho para mim. Logo cedo engravidei de Nícolas. Foi uma gravidez tranquila, apesar dos enjoos matinais. Miguel era um bom marido e eu não duvidava de que seria um ótimo pai. E de fato ele foi. Ao menos para Nico... Nos seus cinco primeiros anos. Logo em seguida veio Noah. A menina mais linda e sorridente que eu já tinha visto, embora como mãe, seja suspeita para falar. Seu sorriso era contagiante e todos ficávamos dia e noite babando em cima dela. Até mesmo Nico, que nunca escondeu sua preferência por um irmão.
Noah crescia e se tornava uma menina bonita a cada dia. Com ela, eu me sentia uma criança novamente... Brincando de casinha. Passava horas penteando seu cabelo castanho claro, enchendo-lhe de presilhas cor de rosa, comprando acessórios de princesa e tudo o mais que ela tinha direito. Com dois anos e meio ela começou a falar. Sua primeira palavra? "Mão", referindo-se a Nico. Como não conseguia falar a palavra inteira, irmão, foi assim que ela o chamou no início. Os dois criaram um laço muito bonito. Nícolas sentia que devia proteger sua irmã mais nova dos perigos do mundo e eu adorava vê-los juntos. Miguel sempre tentava não acumular trabalho para o final de semana, a fim de nos dedicar dois dias completos da sua rotina.
Quando Noah começou a esboçar suas primeiras palavras e decidir algumas coisas por conta própria, ficou muito claro que ela seria dona de uma personalidade forte. Antes dos três anos, ela já escolhia suas próprias roupas e não adiantava teimar com ela. Ao contrário do que eu imaginava, Noah não parecia nada fascinada com os vestidos de princesa ou as saias de bailarina. Na maior parte do tempo, ela queria vestir as roupas do seu irmão. Achamos fofo, a princípio. Parecia uma espécie de reflexo da admiração que ela sentia por ele. Quando tínhamos alguma festa ou íamos sair, no entanto, forçávamos Noah a usar suas próprias roupas, ensinando-a quais vestimentas eram adequadas para uma menina e quais eram para meninos.
Com pouco mais de quatro anos, Noah disse com total convicção que era um menino. Ela afirmou isso olhando nos meus olhos e nos de Miguel. Ficamos sem reação. Não sabíamos o que fazer ou falar. Tentamos explicar para ela o que fazia dela uma menina, sua genitália. Ela discordava com veemência e era provável que não estivesse entendendo nada. Noah afirmou que Papai do Céu havia se enganado, mas que não estava brava com ele.
− Todos erram, mamãe − disse-me inocente. − Papai do Céu é pai de muita gente... Eu entendo que ele tenha se enganado. Talvez eu possa voltar para a sua barriga para vir no corpo certo dessa vez.
Aquela declaração, apesar de ter sido dita de forma um pouco enrolada, abalou todas as minhas estruturas. Perdi o chão. O que ela estava dizendo? O que eu deveria fazer?
Miguel colocou Noah de castigo. Não concordei. Se nossa filha realmente acreditasse em suas palavras, de nada nos serviria deixá-la de castigo. Resolvi procurar ajuda profissional. Dr. Saramago, psicólogo renomado em nossa cidade. Marquei uma consulta para Noah e a acompanhei. O doutor afirmou que eu e Miguel precisávamos agir com urgência. As orientações dele foram claras como água cristalina.
Devíamos tirar de Noah todos os objetos e trajes masculinos. Ela deveria se vestir com as cores rosa, lilás e amarelo. Nada de calça ou short. Apenas saias e vestidos. Precisávamos limitar o tempo que ela passava com o pai e o irmão. A partir de agora, ela passaria mais tempo comigo. Nós brincaríamos de casinha e boneca. No começo, foi impossível convencer Noah de que estávamos fazendo o melhor para ela. O problema é que eu mesma não tinha certeza disso. Miguel parecia convicto. Eu? Estava preocupada e temerosa. Ela relutou muito. Foram dias que pareciam não ter fim. Foi com cinco anos que ela desistiu de nos consertar.
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SINGULAR (degustação)
RomanceSINGULAR é um spin-off independente de PODER EXTRA G; narrado pelo Noah, personagem secundário da trama que ganhou muitos admiradores. Se você ainda não conhece a Nina, trate de ler sua história e dar boas risadas. Sinopse: Noah sempre quis s...