VERSÃO ANTIGA

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Minha mãe resolvera me levar a outro médico quando eu ainda era criança. O primeiro médico, do qual pouco me recordo, havia sugerido que meus pais me impusessem a menina que eu deveria ser. A segunda médica, Dra. Madalena, que cuida de mim até hoje, foi quem apareceu como um anjo em minha vida. Ela compreendia o que ou quem eu era e do que precisava. Ela se referiu a mim no masculino com a minha mãe sentada bem ao meu lado. Aquele foi um dos momentos mais importantes da minha vida. Minha mãe pareceu tensa. Eu compreendia seu dilema. Naquela noite, ela deixou eu e Nico com tia Melissa e saiu para a reunião para a qual fora convidada. Não sei precisar o que exatamente aconteceu naquela noite, mas nossa mãe voltou para casa parecendo outra pessoa. Mais que isso! Ela voltou para casa disposta a não me exigir que eu fosse outra pessoa. Mal sabia eu que uma guerra estava prestes a ser travada!

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(por Elena)

A história da jovem Eduarda me deixou apavorada. Ela desistiu de lutar por sua própria identidade e começou a acatar tudo que seus pais lhe impunham, por mais infeliz que eles a fizessem. Era o que estava acontecendo com Noah, que pouco a pouco parava de nos corrigir e apenas dava de ombros para tudo que lhe impúnhamos. O destino de Eduarda, no entanto, havia sido muito cruel e não poderia, de maneira nenhuma, ser o destino da minha filha. Ou filho. Se para ter Noah ao meu lado, eu precisasse rever todos os meus conceitos, bom, eu o faria. Doeria um pouco, é verdade, mas doeria muito menos que a dor de perder aquela criança que era parte intrínseca de mim.

Cheguei em casa e Noah e Nico ainda estavam acordados. Melissa parecia ter feito a vontade deles como só ela sabia. Não me importei com os pacotes de bala espalhados pela sala. Não me importei por Noah estar vestindo uma camiseta larga do homem aranha. Assim que me viu, Noah baixou o olhar e parecia esperar uma bronca, que não aconteceu. Desejei boa noite aos dois e me despedi com um abraço apertado.

˗ Posso dormir com a camisa do Nico? ˗ ela perguntou de forma acuada, como se temesse sua própria mãe. Aquilo acabou comigo. Quer dizer que eu vinha assustando minha própria filha? Não, droga... Meu próprio filho. Sim, filho, no masculino, eu precisava me lembrar. Ser o motivo do terror naqueles pequenos olhos fez com que eu me odiasse.

˗ A partir de hoje, você pode vestir o que quiser, Noah ˗ murmurei com a voz embargada. ˗ Tudo bem? Eu não vou mais lhe obrigar a nada, eu prometo.

˗ Por que você está chorando? ˗ me perguntou enquanto me enlaçava com seus dois bracinhos.

˗ Porque eu te amo, Noah. E porque tenho sido uma péssima mãe para você. Mas uma coisa eu lhe prometo: lutarei por você o quanto for preciso. Não deixarei que mais ninguém lhe roube o sorriso do rosto e a alegria de viver. Hoje, nessa noite, entro de luto pela filha linda que perdi, mas celebro o nascimento do filho que acabo de ganhar. Você será meu filho enquanto quiser sê-lo, Noah. Eu cuidarei de você e não permitirei que ninguém te impeça de ser o que você é, combinado?

O sorriso dele foi tão largo e acolhedor, que não pude evitar a enxurrada de lágrimas que se seguiu. Abracei a Noah e em seguida a Nico com toda força que pude. Coloquei meus dois filhos na cama e voltei para me encontrar com uma Melissa que parecia orgulhosa. Ela, ao contrário de mim e do Miguel, nunca tentou mudar quem o Noah era. Sempre que ficava responsável pelas crianças, ela deixava Noah ser quem ele quisesse.

˗ Você tomou a decisão certa, Elena. Mantenha-se forte e não permita que o meu irmão a faça mudar de ideia. Ao contrário de mim, ele só consegue ver a vida em preto e branco, nunca com todas as cores e nuances que ela tem. O Noah é um menino lindo e abençoado e ser diferente não o torna uma aberração. Ser diferente o torna único.

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(por Nícolas)

Como filho mais velho, eu conseguia entender um pouco o que estava acontecendo em nossa casa. O que eu não conseguia entender era o motivo dos meus pais estarem tão desesperados com o fato de Noah alegar ser um menino. Ora, ele adorava vestir as minhas roupas e parecia muito melhor com uma bola de futebol do que eu. Brincávamos de coisas de menino e ele parecia mais fascinado com carrinhos e caminhões do que qualquer outro garoto que já conheci. Quando nossos pais tentaram forçá-lo a fazer coisas de menina, ficou bem claro que aquilo seria uma total perda de tempo. Noah estava infeliz, o que me deixava infeliz, o que deixava minha mãe deprimida, meu pai nervoso e minha tia desesperada. Todos estavam extramente insatisfeitos com aquela situação, então não seria mais fácil simplesmente deixá-lo ser quem quisesse? Para mim era algo mais simples do que as contas que estava aprendendo no colégio!

Quando minha mãe finalmente conseguiu vislumbrar o quadro da mesma maneira que eu e tia Mel, outro problema começou: meu pai. Ele parecia incapaz de compreender a situação da mesma forma que nós. Na sua cabeça, ou se era um menino ou uma menina. Não tinha meio termo e tampouco concessões. Nosso apartamento estava prestes a virar um pequeno inferno.

Todas as noites eu, Noah e todos os nossos vizinhos éramos agraciados com uma gritaria sem precedentes. Eu sabia como aquilo machucava o meu irmão, então, como o mais velho, precisei tomar algumas atitudes a fim de amenizar o impacto das brigas. Ligávamos o rádio ou a TV no volume máximo. Eu tentava entreter Noah com qualquer coisa capaz de ganhar sua atenção. Passei a guardar uma parte da minha mesada para lhe comprar balas e chicletes dos seus super-heróis favoritos. Tudo para tentar distraí-lo do caos que era ter meu pai e minha mãe juntos.

Em menos de um ano de gritos, brigas e discordância, fomos avisados de que nossos pais iriam se separar. E aquilo não poderia ser um maior alívio.

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Olá gente linda <3 Como vocês estão? Eu ando numa correria que só com a Bienal e todas as outras coisas da qual preciso dar conta, rs! Não consegui escrever e postar na quarta (hunf  :/) mas tratei de aparecer bem cedo por aqui hoje! Não tive tempo de revisar o capítulo nem nada, mas achei melhor postar mesmo assim para não fazer vocês esperarem mais. Prometo que depois dou uma lida com calma e faço as alterações.

Espero que vocês gostem do capítulo e do rumo da história do Noah! <3 E ah, se tiver alguém na Bienal, estarei lá hoje de 14 às 20h. No sábado de de 16h às 22h (tenho uma palestra no auditório Lapa às 20h, estão todos convidados!) e no domingo o dia toooodo! Vocês podem me encontrar no estande F14 da Ler Editorial, no pavilhão AZUL x) Venham conhecer meus livros ~de papel~ e eu garanto que vocês não vão se arrepender o/ 



SINGULAR (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora