Capítulo 59

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(por Rafaella)

Noah precisava resolver alguns assuntos particulares durante o dia. Essa notícia me deixou triste, confesso. Precisaríamos nos despedir no dia seguinte e tudo o que eu mais queria era aproveitar cada segundo restante ao lado dele. Ele não disse do que se tratava e tampouco contestei. Ele me pediu para cuidar da Marcela, que apesar de parecer um pouco melhor, permanecia visivelmente abalada. E embora eu a adore, preciso confessar que ela me intimida um pouco também. Sua autoconfiança é inabalável e ela parece não se importar com o que os outros pensam dela.

Incerta sobre como me aproximar e deixar o clima menos constrangedor, resolvi preparar alguns sanduíches de frango e milho para ter uma desculpa para invadir seu quarto. Felizmente funcionou. Ela alegou estar morrendo de fome e considerando a velocidade com que comeu, não parecia estar mentindo. Comemos em silêncio por longos minutos e tudo o que ela fazia era se deliciar com o sanduíche, que nem estava assim tão magnífico. Já havia feito melhores.

Quando acabamos, ficamos nos encarando e eu não sabia muito bem se devia deixá-la sozinha ou simplesmente tentar entretê-la. Noah havia pedido para que eu cuidasse dela, mas ela já havia deixado bem claro que podia se virar sozinha. Peguei-me num impasse. Na dúvida, achei mais prudente aguardar que ela desse o primeiro passo. Demorou alguns instantes, mas ela o fez.

− Estava uma delícia, Rafa. Muito obrigada – agradeceu enquanto limpava a boca. Eu sorri e assenti enquanto a observava se jogar na cama novamente.

Marcela parecia inquieta. Os fios claros de seu cabelo se espalharam com facilidade pelo travesseiro branco e não demorou para que ela começasse a enrolá-los pelos dedos. Se a Nina estivesse aqui, acho ela se abriria com mais facilidade. O mesmo vale para o Noah. Mas eu sou uma quase desconhecida para ela. Entrei na sua vida há alguns dias e tivemos poucas conversas a sós. Era evidente que ela queria conversar com alguém, mas não parecia muito boa nisso. E eu também era péssima para estreitar relações interpessoais. A prova disso foi a tentativa que veio a seguir:

− Um ménage, hein? – tentei brincar e me arrependi logo em seguida. Arrependi-me ainda mais ao perceber que a Marcela estava chorando. CÉUS! Eu não havia sido preparada para isso. Noah havia me dito que ela era uma pessoa com a caixa torácica vazia... Onde estava o vidrinho acompanhado de um martelo com os dizeres "quebre em caso de emergência"?! – Ei, por favor, eu sinto muito... Não quis te magoar ou invadir a sua privacidade. Por favor, se acalme. Não sei lidar com pessoas chorando e tenho vontade de chorar junto – soltei todas as palavras como se fossem uma coisa só. O desespero me dominava pouco a pouco. – Por favor, Marcela, se acalme... Podemos falar de outras coisas. Ou tomar um banho de piscina. Ou comer um doce. Ou... – ela estendeu a palma de sua mão direita para mim, me interrompendo.

− Acalme-se, Rafa. Acho apenas que se trata de um tipo ridículo de delay. Achei que conseguiria me manter forte e impenetrável, mas também sou humana. Minha vida anda patética, não sei se devo rir ou chorar – ela finalmente disse, me trazendo uma pequena dose de calmaria.

− Não vejo nada de ridículo nessa situação – confessei, com real sinceridade.

− Veria se eu tivesse contado a verdade – disse, com a voz tão baixa que cheguei a duvidar da minha capacidade auditiva.

− O que você quer dizer? – sondei. Eu estava sentada na sua cama com as pernas cruzadas, enquanto ela permanecia deitada, encarando o teto como se houvesse algo de muito interessante nele. Quando começou a falar novamente, seus olhos se fecharam e ela parecia reviver os momentos da noite anterior.

SINGULAR (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora