VERSÃO ANTIGA

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Sexta-feira. Dia ensolarado. A cidade convertia-se, gradualmente, num pequeno caos. O calor era intenso e a fome já dava o ar da graça. Estávamos hospedados em um condomínio de flats muito bonito em Ipanema. Assim que chegamos, tratamos de jogar nossas malas pelos cômodos e saímos em busca de um bom lugar para nos alimentar. Nina e eu tínhamos algo em comum: tendíamos a ficar insuportáveis quando estávamos famintos.

Voltamos ao nosso "lar temporário" e tratamos de organizar nossas coisas. O local tinha três quartos, o que acomodava a todos muitíssimo bem. Abri a mala no chão, tirei alguns itens que seriam usados diariamente como escova de dente, cuecas e roupa de banho, e deixei tudo como estava mesmo. Minha mãe chama isso de bagunça, prefiro praticidade masculina. Resolvi passar no quarto da Marcela e... ELA ESTAVA PIRANDO. E totalmente irreconhecível, vale salientar. Com o tablet em mãos, mirava a tela como um serial killer ou algo do tipo. Seus dedos trabalhavam num ritmo raivoso e eu até fiquei um pouco assustado. Quando pensei em questionar o motivo de tamanha intensidade por parte dela (sempre tão indisposta a demonstrar sentimentos), ela já estava me dando as respostas necessárias.

− Cretino!!! – gritou para a tela do aparelho, parecendo prestes a tacá-lo na parede. – O que você está fazendo aqui, hein? O quê? Pare me perseguir, seu maldito!!!

Não, ela não estava falando comigo. Sim, ela estava falando com um objeto inanimado, que, apesar disso, estampava uma foto do (desagradável) Stéfan no Rio de Janeiro. Mais precisamente, em Ipanema. Ah, vida... Você não cansa de ser irônica, não é mesmo? Eu podia tentar acalmá-la, mas seria em vão. Resolvi sair de mansinho enquanto ela parecia prestes a espumar de raiva. Nina e Nico estavam descansando e eu achei que seria uma boa dar uma volta pelo condomínio... Conhecê-lo para desfrutar ao máximo nos próximos dias. Afinal, aquela tão sonhada viagem estava apenas começando.

O elevador me levou até a cobertura do prédio, onde ficava a área de lazer. Sem pressa, passei por todas os locais sinalizados: sauna, piscina, churrasqueira, salão de festas, academia, sala de jogos, midiateca, parque infantil e, finalmente, o terraço. Admirando a imensidão diante dos meus olhos, perdi o fôlego. Aquele cenário esplêndido parecia saído de algum filme... O contraste das cores parecia de outro mundo. O azul claro do céu, invadido pelo incrível amarelo do sol, se fundia ao azul mais intenso do mar, que levava ao bege das areias e se misturava com todas as pessoas ali presentes. O cheiro do mar, que vinha com o vento incrivelmente agradável, era indescritível. Saquei meu celular do bolso, tirei uma selfie e tratei de enviá-la a minha mãe.

Apesar da brisa agradável, o calor era intenso e depois de alguns minutos parado debaixo dele, começou a castigar. Resolvi caminhar até a piscina, que para minha total surpresa, estava praticamente vazia. Havia apenas um casal se agarrando ao fundo e uma jovem, de costas para mim, sentada na beirada. Seu cabelo ruivo era muito bonito... Parecia mais uma cor saída de cenários cinematográficos. Tirei a camiseta e a bermuda. A sunga preta que vestia era presente da tia Mel. Deixei todos os meus pertences em uma espreguiçadeira visível e tratei de pular na água. Foi um mergulho maravilhoso... Demorei-me debaixo d'água tanto quanto pude. Quando por fim emergi, a garota ruiva, totalmente incrédula, me encarava com sangue nos olhos.

Agora, finalmente eu a vislumbrava de frente. Ela estava apenas com os pés dentro da piscina. No colo, segurava um livro que, por minha culpa, estava encharcado, assim como boa parte de sua roupa. Furiosa, ela gritou comigo, me acusando de ser descuidado e displicente. Não gostei das palavras escolhidas. Se antes eu estava prestes a me desculpar, depois de sua acusação injusta, resolvi contra-atacar.

− Ler um livro na beira da piscina não é uma escolha muito inteligente... – foi o que eu disse, brindando-a com meu melhor sorriso sarcástico em meio ao meu portunhol muito mais ou menos.

SINGULAR (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora