Capítulo 39

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O resto da noite foi muito, muito agradável. É impressionante como Rafaella parecia fazer parte do nosso grupo há anos... Embora eu só a conhecesse há um dia. Caminhávamos de volta para o condomínio quando Marcela resolveu mudar seus planos. Por um momento, temi que ela estivesse se sentindo deixada de lado, mas eu a conhecia bem demais para saber que não era o caso. E nós nem estávamos andando como dois casais retardados... O primeiro motivo é: Rafa e eu não somos um casal. Ainda. E Nina e Nico, apesar de estarem atravessando uma fase de acasalamento após união definitiva, se controlavam bem quando estavam em público. Dentro do quarto a história é outra...

− Podemos te acompanhar – eu disse, já segurando a mão da Rafa que, apesar de não ter sido consultada, assentiu.

− Agradeço, mas preciso ficar sozinha... – e eu meio que esperei por uma explicação, que não veio. Estamos falando da Marcela, afinal de contas. Ela nunca se explicou para homem nenhum, não era agora que ia começar.

Aquele súbito isolamento estava estranho, muito estranho. E, por uma fração de segundo, temi que ele tivesse a ver com o Stéfan. E eu bem que pretendia pensar mais a respeito, mas quando dei por mim, Rafa e eu estávamos a sós no corredor, novamente incertos de como deveríamos nos despedir. Havia um problema, no entanto. Um problema que começava a se tornar corriqueiro. Eu não queria me despedir. E algo me dizia que ela também não. Estava pronto para convidá-la para o nosso apartamento, como na noite anterior, quando ela se adiantou:

− Você gostaria de entrar? – perguntou, ainda que suas bochechas evidenciassem todo seu constrangimento. – Minhas amigas não estão em casa... Sei que não gosta delas.

− Na verdade, gosto de qualquer lugar com você – respondi, fazendo com que sua vermelhidão facial aumentasse.

− Mas... Gosta de quando ficamos sozinhos? – questionou sem me encarar diretamente. Assenti, subitamente perdendo a voz. – Que bom, então. Eu também gosto. Você quer... Quer entrar?

− Não tem medo de que eu seja um cara mau? – perguntei, ainda que estivesse rindo. Rafa procurava as chaves na bolsa e acabou rindo também.

− Até quando é mau você é bom pra caramba... Não sei se isso faz algum sentido. Mas eu quero conhecer todas as suas facetas, Noah.

− E eu as suas, Rafa – emendei. Ela havia encontrado as chaves e destrancava a porta da sala.

− Isso não faz o menor sentido para mim, mas não pretendo questionar.

O que não fazia sentido? Eu estar interessado nela? Ou alguém achá-la bonita? Não tenho certeza se Rafaella tem alguma noção de quão encantadora é. Acho que, quando ela olha para o espelho, só consegue ver seus defeitos e se esquece de valorizar suas qualidades. Eu não sabia qual era a melhor forma de fazê-la acreditar em si. Não sabia como fazê-la se enxergar como eu a enxergava.

− Noah? – chamou minha atenção, me tirando dos pensamentos no qual havia mergulhado. Ela acenava na minha direção como se há muito tentasse me tirar do meu breve transe. – Está tudo bem? Você parece... Estranho.

Ela estava certa. Eu estava mesmo estranho. E o motivo principal para isso era exatamente ela. Acho que nunca cheguei a amar ninguém, de fato, e sei que o amor não surge de um dia para o outro. Mas Rafaella estava me deixando louco e ficava cada vez mais difícil agir com alguma racionalidade. Eu queria beijá-la inteira, mesmo que me faltasse o ar. Queria tocar sua pele branca, suas sardas, seu cabelo alaranjado, cada uma de suas curvas. Eu queria ir ao paraíso com ela, mesmo que antes precisasse passar pelo inferno. Rafaella precisa saber que sou um homem transexual, mas antes precisa entender a mulher maravilhosa que é. E eu não conhecia muitas maneiras de provar isso.

SINGULAR (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora