NOVA VERSÃO - CAPÍTULO 03

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Minha vida romântica e sexual sempre passou por altos e baixos. Como um garoto trans, precisei lidar com muitas outras coisas além da expectativa do primeiro beijo e a pressão da primeira vez. Revelar minha condição era sempre delicado, pois eu nunca tinha como saber como seria a reação da outra parte envolvida.

Aos doze anos conheci a Lara. Ela estudava na mesma turma que eu e era uma das melhores alunas. Sempre fazíamos trabalho em grupo juntos. Por isso, ter uma paixonite por ela foi meio inevitável. Ela era inteligente, dedicada, doce e isso fez com que eu a achasse linda. Foi com a Lara que experimentei a sensação do primeiro beijo. Estávamos conversando no recreio do colégio e pela turma circulavam boatos de que estávamos gostando um do outro. Certo dia, levei um chocolate com caramelo para ela e Lara, muito mais audaciosa do que eu, resolveu me agradecer com um beijo. Quando seus lábios tocaram os meus, os senti formigar, querendo mais. Nosso namoro juvenil durou apenas dois meses. Passamos pelas fases iniciais com louvor: primeiro beijo, indecisão sobre como agir no dia seguinte, bochechas coradas e mãos dadas suando, coração disparado... Toda a magia acabou quando ela descobriu que eu era diferente. Ela partiu meu coração e eu achei que jamais conseguiria reunir os cacos novamente. Mas reuni. Não fiquei com raiva da Lara... Ela ainda era uma criança e tinha muita coisa para assimilar, eu a entendia de verdade. Felizmente, eu fazia acompanhamento psicológico e era muito maduro para a minha idade, já havia lidado com a separação dos meus pais, com a minha transição... Eu podia lidar com a Lara. Por sorte, depois que o meu coração parou de doer de forma assustadora, voltamos a ser amigos. Com isso, ao menos, ela conseguia lidar.

Foi só aos catorze que voltei a me relacionar com outra garota. Seu nome? Liana. Ela era encantadora. Conheci-a numa tarde fria de inverno... No grupo de apoio aos transgêneros. Liana não era trans, mas seu irmão era. Ela o acompanhava quase sempre e nós começamos a conversar. Saímos para passear algumas vezes e no nosso sexto encontro, fomos ao cinema. Ela me beijou. E eu retribuí. Foi bom... Tinha gosto de manteiga e chocolate. Meu segundo relacionamento durou mais que o primeiro: sete meses. Decidi terminar com ela não porque não gostava de sua companhia, mas porque percebi que ela me via mais como um transgênero do que como um garoto. Não sei se isso faz algum sentido para você aí do outro lado, mas depois de um tempo começou a me incomodar. Para ela não importava quem eu era: ter um namorado trans era como se carregasse um troféu, um animal exótico de estimação. Em um mundo que lutamos tanto para mostrar que somos todos iguais, atitudes como aquela segregam ainda mais. O importante é que quando seu irmão trocou de grupo, Liana sumiu e nunca mais a vi.

Foi só na faculdade que o sexo oposto voltou a chamar minha atenção, quando finalmente fui para a cama com uma garota. Eu estava tão nervoso, parecia a droga de um porco indo para o abate. Para a minha sorte, Maitê era experiente e muito paciente. Engana-se quem pensa que vivemos uma história de amor ou algo do tipo. Foi um envolvimento intenso, mas meramente carnal. Eu não tenho do que reclamar. Maitê era linda e me encheu de confiança e otimismo, dois sentimentos que precisavam ser reabastecidos em mim com muita frequência.

Envolvi-me sexualmente apenas com outras duas mulheres. A segunda se chamava Daphne. Tivemos um relacionamento-sem-nomenclatura, como diria minha cunhada, e também sem cobranças. Acabou depois de mais de um ano e sem nenhum motivo exato. Apenas acabou. Depois veio Marcela, como vocês já devem estar sabendo. Estar com ela foi diferente de tudo que já vivi. Ela era a única que tinha descoberto sobre mim apenas na hora H, se é que me entendem. Todas as outras foram avisadas. Marcela, não.

Não foi por maldade nem nada do tipo. Apenas esqueci-me de que eu era diferente. E também imaginei que a Nina tivesse comentado algo com ela, assumo. Saber que ela simplesmente não tinha se dado ao trabalho, significou muito, muito mesmo para mim. Nina não me via como um transgênero. Via-me apenas como homem. E eu sempre quis ser visto dessa maneira. Talvez por isso tenha confundido a coisa toda. Talvez por isso tenha arriscado perder a amizade do meu irmão e melhor amigo. Era tudo tão confuso e nebuloso na minha mente...

SINGULAR (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora