NOVA VERSÃO - CAPÍTULO 04

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Acordei bem disposto na manhã seguinte e acho que minha autoestima nunca esteve tão em alta. Marcela havia me proporcionado uma experiência indescritível e não havia palavras boas o suficiente para descrevê-la, mas eu provavelmente precisaria fazê-lo (ou pelo menos tentar) para a minha psicóloga, pois tinha uma consulta marcada em algumas horas.

− Como se sente, Noah? − perguntou-me Madalena, minha terapeuta e conselheira desde que me entendo por gente.

− Confuso sobre a Nina − respondi de imediato. – Mas contente pelos recentes fatos envolvendo a Marcela.

− Vamos conversar sobre isso? − ela me perguntou. Assenti. Sentia-me incrivelmente confortável para ser eu mesmo diante dela. Madalena foi, no final das contas, uma das primeiras pessoas que orientou minha mãe sobre o meu verdadeiro eu.

E por falar na minha mãe...

****

(por Elena)

A maternidade sempre fora um sonho para mim.

Logo cedo engravidei de Nícolas. Foi uma gestação tranquila, apesar dos enjoos matinais. Miguel era um bom marido e eu não duvidava de que seria um ótimo pai. E de fato ele foi. Ao menos para Nico nos seus cinco primeiros anos. Logo em seguida veio Noah. A menina mais linda e sorridente que eu já tinha visto embora, como mãe, seja suspeita para falar. Seu sorriso era contagiante e todos ficávamos dia e noite babando em cima dela. Até mesmo Nico, que nunca escondeu sua preferência por um irmão.

Noah crescia e se tornava mais bonita a cada dia. Com ela, eu me sentia uma criança novamente. Brincava de casinha, passava horas penteando o seu cabelo castanho, enchendo-lhe de presilhas cor de rosa, comprando acessórios de princesa e tudo o mais que ela tivesse direito. Com dois anos e meio, ela começou a balbuciar. Sua primeira palavra? "Mão", referindo-se a Nico, já que não conseguia falar a palavra "irmão". Os dois criaram um laço muito bonito. Nícolas sentia que devia proteger sua irmã mais nova e eu adorava vê-los juntos. Naquela época, Miguel sempre tentava não acumular trabalho para o final de semana, a fim de dedicar-se à família pelo menos dois dias completos da sua rotina.

Quando Noah começou a esboçar suas primeiras palavras e decidir algumas coisas por conta própria, ficou muito claro que ela seria dona de uma personalidade forte. Antes dos três anos, ela já escolhia suas próprias roupas e não adiantava teimar com ela. Ao contrário do que eu imaginava, Noah não parecia nada fascinada com os vestidos de princesa ou as saias de bailarina. Na maior parte do tempo, ela queria vestir as roupas do seu irmão. Achamos fofo, a princípio. Parecia uma espécie de reflexo da admiração que ela sentia por Nico. Quando tínhamos alguma festa ou íamos sair, no entanto, forçávamos Noah a usar suas próprias roupas, ensinando-a quais vestimentas eram adequadas para uma menina e quais eram para os meninos.

Com pouco mais de quatro anos, Noah disse-nos com total convicção que era um menino. Ela afirmou isso olhando nos meus olhos e nos de Miguel. Ficamos sem reação. Não sabíamos o que fazer ou falar. Como iríamos explicar para ela o que fazia dela uma menina, falar sobre gênero com uma criança? Ela discordava com veemência e era provável que não estivesse entendendo nada. Noah afirmou que Papai do Céu havia se enganado, mas que não estava brava com ele.

− Todos erram, mamãe − disse-me inocente. − Papai do Céu é pai de muita gente... Eu entendo que Ele tenha se enganado. Talvez eu possa voltar para a sua barriga e vir no corpo certo dessa vez.

Aquela declaração, apesar de ter sido dita de forma um pouco enrolada, abalou todas as minhas estruturas. Perdi o chão. O que ela estava dizendo? O que eu deveria fazer?

SINGULAR (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora