Capítulo 46

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            Aquela espera toda estava me matando. Os minutos pareciam se arrastar lenta e tortuosamente de propósito. Uma parte de mim meio que já se preparava para o total desaparecimento da ruivinha. Talvez doesse menos se desde já eu começasse a aceitar que essa era uma possibilidade... A quem eu queria enganar? Tentei me distrair com um pacote de biscoitos de chocolate, mas nem isso foi capaz de amenizar aquela maldita angústia.

E, se a situação já não fosse ruim o bastante, eu não fazia ideia de onde estavam Nina, Nico e Marcela. Com eles, ao menos, eu teria alguém para me consolar. E, por falar na Marcela... Meu celular apitou, informando a chegada de uma nova mensagem de texto dela.

"Chego já, já!"

E bastou eu terminar a leitura da sua breve sentença para ouvir a campainha tocando. Continuei onde estava, afinal, ela tinha a droga da chave e podia muito bem pegá-la. Afundei-me ainda mais no sofá, pronto para chorar minhas pitangas no ombro insensível e magro da minha amiga. A campainha soou outra vez. Que droga! Resmungando e totalmente contrariado, levantei e segui em direção à porta.

− Por que você toca essa droga se tem a porcaria da ch... – abri a porta, mas não esperava aquilo.

ERA A RAFA!

Caralho, era a Rafa!!! A minha Rafa!!! A Rafa para quem eu havia contado sobre eu ser transgênero. A Rafa que afirmara que voltaria. A Rafa que eu desconfiava que não ia voltar. Era ela. Ela estava ali, parada diante de mim com o cabelo alaranjado preso em um coque desleixado, óculos de grau, o tablet em mãos e o seu sorriso frouxo. Quando finalmente pensei em convidá-la para entrar, ela já o havia feito. Rafa olhava de mim para o tablet diversas vezes.

− Certo... Desculpe-me pelo meu breve sumiço, mas você me pegou de surpresa, Noah. Eu já tinha escutado a palavra transgênero, mas não sabia seu real significado. Fiz algumas pesquisas nas últimas horas, mas ainda preciso esclarecer muitas coisas. Você pode me ajudar? – eu, bem, eu assenti, o que mais podia fazer?

Com a mão esquerda espalmada em meu peito, ela me guiou até o sofá e puxou uma cadeira para ficar de frente para mim. Seus olhos castanhos estavam mais profundos do que jamais imaginei ser possível.

− Você é um homem trans, correto? – assenti, surpreso pela expressão soar natural em sua voz. – Isso significa que você foi biologicamente designado como mulher ao nascer?

− Sim – respondi em um sussurro.

− Certo. Você não é cisgênero, mas é heterossexual? Pelo que li, e espero não estar errada, gênero e sexualidade são coisas distintas.

− Você tem certeza que descobriu tudo isso nas últimas duas horas? – perguntei em tom de brincadeira e ela, felizmente, tomou como um elogio.

− Não me subestime, Noah. Sou muitíssimo aplicada.

− Foi por isso que fugiu assim que te contei? – eu precisava ouvir dela o real motivo para sua fuga.

− Não sabia quase nada a respeito e fiquei com medo de dizer bobagens. Para evitar qualquer tipo de constrangimento, achei conveniente ler um pouco antes de me pronunciar – ela sorriu na minha direção e eu começava a respirar um pouco mais aliviado. – Mas, ei... Sou eu quem faço as perguntas – anuí, não querendo contrariá-la de forma alguma. Aquilo estava mesmo acontecendo? – Eu o vi na piscina e na praia. Você não tem seios, então presumo que tenha feito a mastectomia.

SINGULAR (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora