A segunda-feira chegou cinzenta, fria e apática. A Nina não cansa de dizer que ama esse tempinho mais ou menos, mas eu, particularmente, prefiro o calor. Sempre gostei da sensação do sol na minha pele... Mas só comecei a desfrutá-la, de fato, depois da mastectomia. Para variar, estava levemente atrasado para a faculdade. Não tive tempo de fazer muita coisa além de pegar uma fruta para comer no caminho. Tentei dirigir da forma mais civilizada possível, apesar da pressa, e até que me saí muito bem. Cheguei a tempo da primeira aula sem nenhuma multa, fechada ou desentendimento. Assim que estacionei o carro, peguei minha mochila e saí correndo em direção ao segundo prédio. Entrei na sala de aula e me deparei com o olhar de Nayara que, apesar de triste, era acolhedor.
Sentei-me e aguardei a chegada do professor. Antes que isso acontecesse, no entanto, recebi um aviãozinho de papel na cabeça... Droga, achei que já tivéssemos superado o colegial. A contragosto, abri o papel e me deparei com algo que simplesmente fez meu coração parar de bater: "mulherzinha!", dizia a caligrafia grosseira e nada familiar. Olhei para trás em busca de algum sinal do idiota que poderia ter feito aquilo, mas não sem antes interrogar Nayara com o olhar. Seus lábios se abriram delicadamente, sem que nenhum som saísse: "me desculpa". Logo atrás dela estava Gastón, seu patético ex-namorado. Ele trazia um sorrisinho ridículo no rosto e eu não precisava mais procurar pelo dono daquele bilhete. Já o havia encontrado.
Foi difícil me concentrar em qualquer coisa depois daquilo. As horas pareciam se arrastar eternamente e tudo o que eu mais queria era conversar com Nayara e tirar aquela história a limpo. Ela havia mesmo me dedurado para o babaca do seu ex? Justo ele, que fez da vida dela um inferno?! Aquilo não fazia o menor sentido e quanto mais tentava entender, menos entendia.
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− No que você estava pensando? – perguntei a ela quando, finalmente, ficamos a sós em um dos laboratórios de informática, que se encontrava vazio. – Gastón é um babaca dos grandes e você, melhor do que ninguém, deveria saber disso.
− Eu sinto muito, Noah. Estava completamente bêbada e acabei o encontrando depois que nos separamos. Cometi o erro de transar com ele e, quando me perguntou por que eu estava triste, acabei contando... Mas prometo conversar com o Gastón, vou pedir para que ele... – interrompi-a.
− Você sabe que não vai funcionar.
Nós dois sabíamos, na verdade. Gastón é o grande palhaço da turma... Todas tem um. Eles costumam ser bobos e se apoiam nas diferenças dos outros em troca de algumas risadas. Ninguém com algum discernimento gosta deles, mas sempre tem um idiota ou outro para aplaudir e rir do que não tem a menor graça.
No primeiro semestre da faculdade, Gastón mirou em um alvo fácil: Emilio, um jovem de apenas dezoito anos que, visivelmente, era inseguro e tinha problemas com sua autoestima. O cara devia pesar mais de cem quilos e, ao contrário da Nina, não estava nada bem com isso. No trote, Gastón o humilhou tantas vezes e de tantas formas diferentes, que foi difícil aceitar o espetáculo. Ah, Gastón é veterano e estamos na mesma turma atualmente porque ele não se cansa de repetir em várias matérias. Lembro-me do corpo encolhido do Emilio; de como seus ombros pareciam estar presos ao chão; dos seus pés que se arrastavam sem ânimo; do seu olhar sempre cabisbaixo; e de como ele parecia desejar ser invisível, principalmente aos olhos de seu agressor.
Queria ter feito alguma coisa em relação àquilo, mas não fiz. Eu tinha acabado de me recuperar da mastectomia e ainda me sentia inseguro de muitas formas. Meu corpo não tinha os músculos que tem hoje e eu tinha medo de me expor e ser descoberto. Tudo o que eu mais queria, naquele momento, era ser invisível – como Emilio também queria ser. Foi só no meio do semestre que alguém tomou alguma iniciativa. Pablo, um cara misterioso de pouquíssimos amigos. Ninguém sabia muito "qual era a dele". O cara parecia alguns anos mais velho que todos nós, chegava de moto na faculdade, comia incontáveis barras de cereal durante a manhã e era sempre o primeiro a ir embora.
Certo dia, enquanto Gastón importunava Emilio e o constrangia diante de toda a classe, Pablo se levantou, agarrou o grande palhaço e o levou para fora da sala. No dia seguinte, o ex de Nayara apareceu todo surrado e nunca mais voltou a importunar nosso colega de classe. Ele e Nay namoraram antes disso, o que foi um tremendo alívio. Em uma de nossas muitas conversas, ela me contou como ele a tratava; como a fazia se sentir por baixo para que ele sempre lhe fosse o suficiente. Não dizem que cada um aceita o amor que acha que merece? É bem por aí mesmo.
− Mas eu vou tentar... – ela insistia, me arrancando de meus pensamentos e me trazendo de volta para a realidade.
− Vou dar a ele uma chance de ser menos babaca... Se não acontecer, sinto muito. Por ele, obviamente.
Eu lhe dei um beijo no rosto, girei os calcanhares e me afastei. Afastei-me pensando que não precisava daquela palhaçada toda, mas também, que não era aquele menino tímido e inseguro de alguns anos atrás. Eu havia me tornado um grande homem e não duvidava mais daquilo.
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O céu continuou cinza durante todo o dia. Fui para casa, onde encontrei minha cunhada mais fissurada no computador que o de costume. Almoçamos juntos e depois de um breve descanso, segui para o grupo de apoio. Cumprimentei Dolores, Martín e Ceci antes de me juntar aos demais na roda. Havia um rosto novo entre nós e Dolores instruiu que sua dona começasse se apresentando.
− Olá... Meu nome é Candela, tenho vinte e dois anos e me descobri transgênera aos treze, quando meus pais se recusaram a aceitar quem eu sou de verdade. Não tive ajuda para conter os efeitos indesejados da puberdade, então acabei ganhando pelos faciais e uma voz muito grossa em alguns anos. Fui morar com a minha avó que, apesar de não concordar com nada disso, me respeita incondicionalmente. Comecei meu tratamento aos dezessete e venho tentado me manter forte desde então. Na semanada passada, fui agredida ao tentar usar o banheiro feminino. Nunca, em toda a minha vida, havia presenciado tamanha brutalidade. Depois daquele episódio, fiquei com medo de sair de casa e encarar o mundo de queixo erguido, como sempre fiz. Acho que é por isso que estou aqui – terminou, sem conseguir evitar as lágrimas nos olhos.
− Seja bem-vinda, Candela – dissemos em uníssono.
Dolores pediu a um de nossos colegas mais velhos, para falar a respeito da agressão que sofrera na adolescência, ao tentar usar um maiô no lugar da sunga na aula de natação. Eu já conhecia aquela história de cor e salteado, mas sempre que a ouvia, me emocionava muitíssimo. Não gosto do estereótipo de que homem não chora... Na verdade, odeio qualquer tipo de estereótipo. Então chorei mesmo e nem me preocupei em disfarçar.
Apesar da chuva, resolvi que iria à academia. Eu já havia faltado durante vários dias consecutivos e sabia que se relaxasse, acabaria perdendo o corpo no qual me sentia mais confortável e se seguro. Como estava de carro, acabei oferendo uma carona para Candela, que parecia desesperada com a possibilidade de estragar seu cabelo – além de muito assustada com o episódio que havia nos narrado há pouco.
Tivemos um papo agradável. Não falamos sobre os problemas com os quais frequentemente nos deparamos e menos ainda sobre nossas transições. Ambos precisávamos de um pouco mais de leveza e acabamos falando de filmes e séries.
− Muito obrigada. Foi um prazer conhecê-lo – ela disse antes de sair do meu carro. Abaixei o vidro, acenei em sua direção e gritei para que pudesse me ouvir.
− Te vejo na próxima segunda!
Não são todas as pessoas que voltam ao grupo de apoio depois da primeira visita. A maioria acha perda de tempo. Eu esperava que Candela não fizesse parte da maioria, principalmente porque ela me pareceu uma garota incrível, apesar de tudo.
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MIL DESCULPAS PELO ATRASO! Dito isto: oi, gente linda <3 Ontem fiquei sem internet e não consegui postar.. Hoje, a chuva está tão forte, que achei que não conseguiria também, mas cá estou, tentando ser breve antes que acabe a luz, rs!
Nem vou falar mais nada, porque é melhor um capítulo sem recadinho fofo do que capítulo nenhum, né? </3 KKKKKKKKKKKKK Bom final de semana para vocês *-* Nos vemos em breve e façam favor de me adicionar no facebook, ok? :D Beijocas!
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SINGULAR (degustação)
Roman d'amourSINGULAR é um spin-off independente de PODER EXTRA G; narrado pelo Noah, personagem secundário da trama que ganhou muitos admiradores. Se você ainda não conhece a Nina, trate de ler sua história e dar boas risadas. Sinopse: Noah sempre quis s...