Meu nome é Noah, mas espero que vocês já saibam disso. Nasci em Buenos Aires, lugar onde vivo até hoje. Como vocês também já sabem, sou um homem trans, mas isso, no entanto, não é o que me define. Trata-se apenas de um detalhe como tantos outros.
Mas antes de continuar esta história, preciso confessar uma coisa.
O episódio (muito, muito quente) que acabei de lhes contar, com a Nayara, não foi exatamente desse jeito. Resolvi lhes contar a versão pela qual eu esperava e que, lamentavelmente, não aconteceu. Uma parte de mim implorava para que Nayara levasse toda essa descoberta numa boa para podermos seguir adiante. Sei que para muitos isso não é fácil, mas... A verdade foi que ela surtou. Ficou triste, decepcionada, com raiva, tudo de uma vez. Em meio segundo, perdeu a capacidade de falar qualquer coisa e encolheu seu corpo magro, recuando em seguida para longe de mim. Isso me machucou mais do que uma punhalada no coração. Sinto que o seu interesse por mim afundou mais rápido que o Titanic, com uma camada de gelo a nos afastar definitivamente.
Enquanto saía do seu apartamento, tentei me convencer de que estava tudo bem, que era mais forte que tudo aquilo. Só que não podia me enganar. Eu já havia passado por aquilo algumas vezes, mas isso não atenuava nada, continuava sendo igualmente doloroso. Repeti para mim mesmo que ficaria tudo bem, que eu não me deixaria abalar... Mas ainda doía.
Ser rejeitado sempre doía. Algo me dizia que jamais pararia de doer.
Eu precisava de um tempo sozinho. Precisava, sei lá... Pensar no que aconteceu e ficar me torturando um pouco mais. Bufei, irritado, enquanto saía do prédio da Nayara. Onde estava o meu carro? Olhei em volta, procurando por ele... É mesmo, eu tinha vindo caminhando. Resolvi que caminhar seria bom, me permitiria pensar sem colocar muitas vidas em risco. Chamar um táxi ou ligar para o meu irmão significava que eu precisaria falar, dar explicações e eu não queria isso no momento. Precisava ficar comigo mesmo e esfriar a cabeça. Caminhei até o ar me faltar e as pernas doerem. Quando me permiti parar, desabei em um banco qualquer, em uma praça desconhecida, cercado por gente que eu nunca havia visto.
Precisava pensar, colocar as ideias em ordem. Eu sabia que adorava a Nayara e não deixaria que esse sentimento sumisse de uma hora para outra. Ela tinha qualidades incríveis e era uma excelente companhia. Não podia, de forma nenhuma, julgá-la por não estar pronta para ficar comigo... De forma mais íntima. Doía-me o fato de ela refrear os próprios desejos em virtude do que lhe dizia a razão, por limitar suas vontades. Por que tentar entender com a mente quando o nosso corpo parece ter todas as respostas? Às vezes, até mesmo nosso coração.
Tinha certeza de que Nayara e eu nos entenderíamos. Voltaríamos a ser amigos e ponto final. Aquele episódio de quase-sexo seria deixado para trás e eu tentaria não permitir que ele abalasse a minha confiança.
Segui de volta para o apartamento, ainda um pouco absorto. Fiquei feliz por encontrar Nico logo na esquina do nosso prédio. Meu irmão é muito perspicaz – ou talvez ele apenas me conheça bem demais – e notou que havia algo de errado. Não tínhamos segredos um com o outro, então lhe contei. Ele pareceu tão arrasado quanto eu, e justo quando pensei que fosse dizer algo para me animar, ele apenas riu. Riu abertamente como se eu tivesse acabado de lhe contar a piada do século.
− O que é tão engraçado? – perguntei, enfezado.
− Você tem sorte, cara – disse entre risos. – Um homem "normal" – ele fez aspas no ar e logo prosseguiu – teria brochado na hora, deixando as coisas ainda piores. Pelo menos você saiu de lá com alguma dignidade.
− Que pensamento machista – retruquei, embora aquilo tenha soado melhor que qualquer gesto consolador.
− Eu sei e é por isso que é tão engraçado... Você e eu... Machistas... Dá para imaginar? – ele me cutucou de um jeito brincalhão e eu acabei rindo também. Meu irmão tinha essa estranha capacidade de me distrair dos problemas. Desde pequeno, quando ele colocava o som bem alto para que eu não escutasse as brigas dos nossos pais. Ele continuava fazendo isso por mim, me protegendo do mundo. Sempre. – Sabe do que estamos precisando?
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SINGULAR (degustação)
RomanceSINGULAR é um spin-off independente de PODER EXTRA G; narrado pelo Noah, personagem secundário da trama que ganhou muitos admiradores. Se você ainda não conhece a Nina, trate de ler sua história e dar boas risadas. Sinopse: Noah sempre quis s...