44 - Azar na vida, azar no amor

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"Amar o perdido
deixa confundido
este coração."

Carlos Drummond de Andrade em "Memória"

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Tiffy não possuía sorte no amor. Sua experiência romântica se resumia a um noivado precoce malsucedido. E tal desilusão fora responsável por determinar seus próximos passos no campo dos relacionamentos amorosos. Lembrava, como se tivesse sido ontem, do término daquele erro que sequer podia ser chamado de relacionamento.

Zaares era uma sanguessuga. Almejava somente o prestígio e a comodidade que entrar na família dela traria. Conquistara Tiffy como um perfeito cavalheiro faria: fingira interesse, respeito e amor incondicional. Então, na primeira oportunidade, traiu a confiança dela em todos os aspectos possíveis — principalmente com a vizinha. Fora indecente ao ponto de, às vésperas do casamento, ter sido pego no ato.

A visita inesperada de Tiffy, que teve a não-tão-brilhante ideia de surpreendê-lo entrando pela janela, levou-a a testemunhar cenas das quais gostaria de poder deletar de sua mente. Como o porco que era, Zaares estava chafurdando na lama com uma amante aleatória. Ao ser flagrado, a fada interesseira simulou arrependimento instantâneo empenhando-se em um discurso emocionado. Ainda por cima, teve a audácia de tomá-la por ingênua e procurá-la no dia seguinte para insistir em reatar o noivado, sob a promessa de não a trair novamente.

Sua sensatez impediu-a de acreditar nas mentiras dele, o que muito aliviou seus familiares. "Foi um livramento", assegurou-lhe o avô, tentando consolá-la. "Lux sabe o que faz. Ela não permitiria que acontecesse algo que não lhe acrescentasse nada". Tiffy, por sua vez, estava inconsolável. Tinha a opinião de seu taio em alta conta, mas não cria que havia uma boa lição a ser tirada daquele infortúnio.

A decepção amorosa também a impulsionou a se utilizar de seus dons de maneira irresponsável. Jurara nunca fuçar a mente de alguém levianamente. No entanto, bastou-lhe o "golpe da traição" para fazê-la invadir a privacidade das pessoas à primeira vista, para saber se poderia confiar nelas.

Ironicamente, a medida de precaução provocada por uma paixão frustrada trouxe ruína ao seu pobre coração, que se encontrava outra vez rendido a alguém incapaz de correspondê-la.

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— O que você tanto vê nele? — Adivinhando que Tiffy estava perdida nos próprios pensamentos, Libby raptou a atenção dela.

— Eu diria "o mesmo que você vê em quem se interessa", mas isso seria mentira — suspirou. — Às vezes, me pego querendo ser como você.

— Não, hiza. Você não quer. Até parece que você se contentaria com menos que um "amor eterno" — desta vez, foi Libby quem suspirou. — Se não fosse em vão, te mostraria os benefícios de amores leves e sem amarras. Mas isso não te convenceria. E tá tudo bem. Nem todo mundo serve pra esse estilo de vida.

— Só você e o kreler servem, pelo visto. — Tiffy provocou-a.

— Humpf! Não me compare com aquela peça! O que tem de bonito, tem de idiota — protestou Libby. — E eu estou vendo que a senhorita quer mudar de assunto, não pense que me engana. Pare de enrolar e me diga: o que este raio de terráqueo tem de tão incrível que te deixa caidinha assim?

— Eu... Nós... Ele tem algo de especial.

As bochechas enrubescidas de Tiffy por pouco não pegaram fogo.

— Então — Libby arqueou a sobrancelha —, quer dizer que a dona da pureza do mundo inteiro foi deflorada? Podemos festejar?

— Não, sua sem-vergonha! — meneou a cabeça, reprovando a insinuação da irmã. — Ele me entende. Me entende de verdade. Só isso.

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