69 || Não aceite doce

58 7 30
                                    

⚠️ Conteúdo sensível: capítulo 69kkkkkkkk⚠️

Uma porta foi aberta diante de si e fechou-se atrás dela assim que fora arrastada para dentro do lugar. Sem demora, o estranho soltou-a e acendeu a luz.

— Desculpe a grosseria — disse o homem à sua frente. — Não queria te assustar, mas foi o jeito — lamentou-se. — Sente-se, por favor. — Apontou-lhe uma cadeira de jantar modesta e desgastada.

Elena sentou-se, desconfiada com razão. Não sabia quem ele era ou por que a ajudara.

— E você, quem seria? — interrogou, na esperança de possuir dentro de si um detector de mentira com pelo menos a metade da acurácia da percepção de Zoya.

— Yitzchaq, a seu dispor. — Apresentou-se, emergindo na claridade.

Sob a luz pálida e tímida da única lâmpada do cômodo, seu salvador provara ser só um homem comum que, até o momento, não tentara agredi-la de forma alguma. Nem aparentara ter a intenção de entregá-la aos guardas em troca de uma recompensa pela cabeça dela. Apenas ficara ali, parado, aguardando. Esperava por um voto de confiança.

Enquanto seus neurônios trabalhavam, seus olhos permaneciam fixos nele. Isto, para seu constrangimento, era agradável.

Yitzchaq possuía uma dessas belezas absurdas que deveriam estar expostas num museu, tamanha era sua harmonia estética. Sua pele preta contrastava com os cachos de anjo em sua cabeça, anéis de um loiro claro quase branco. Tinha bons ossos também, malares de se invejar.

Pelos traços característicos de um savrene, deduzira que ele era imigrante ou descendente de algum deles. Pelas roupas surradas, supusera que era uma pessoa simples. Mas não era pobre de marré, nem passava fome. Era muito robusto para ser desnutrido.

Bem, ele pode receber doação de cesta básica cheia de frango, batata doce e whey. Nunca se sabe. As coisas devem funcionar diferente por aqui.

Pela sua aparência, Elena lhe daria uns 30 anos, no máximo. Pela sua experiência com pessoas cujo exterior não denunciava a real idade, chutaria mais alto. Talvez ele fosse como o jardineiro, um ancião preso no corpo de um jovem; responsável por resgatá-la quando as noites — e, às vezes, os dias — ficavam difíceis.

— Por que fez isso? — inquiriu-o.

— Não vou muito com a cara dos guardas, ele não vão com a minha. — Deu de ombros. — Ninguém por aqui é amigável com gente da minha raça. Só gostam de nós quando é do interesse deles. Se eu puder colaborar para derrubá-los, não importa com quem, eu vou. Estando contra eles, conte comigo.

— Obrigada — eu acho. — O que fazemos agora? Ficamos trancados aqui até o mundo acabar?

— Não é para tanto. — Deu um meio sorriso. — Só até as ratazanas passarem. Eles sempre revisitam os locais pelos quais passaram. Dentro de uns 15 minutos eles já terão vasculhado o quarteirão inteiro. Daí poderemos sair...

"E eu poderei te mostrar onde fica o buraco do formigueiro desses guardinhas, isto é, se quiser atingi-los para valer. Tenho meus contatos no palácio do Soberano, presto serviço para muitos guardas. Aqueles porcos me devem. Muito."

Yitzchaq se pronunciava com genuíno ódio, o sentimento era tangível e presente em cada sílaba. Decerto haviam passado a perna com gosto no pobre coitado, imaginou Elena. Péssimo para ele, ótimo para ela. A humana precisava desse tipo de ajuda com esse tipo de motivação.

A Terra tinha um longo histórico no quesito ódio e no quanto apenas um sentimento, tão intenso e universal, era capaz de causar estragos; erguer e derrubar governos. Elena escolheu confiar nele pela esperança de que os sentimentos dele fossem combustíveis para aproximá-la dos seus objetivos, da missão à qual seu grupo fora incumbido.

Planeta LuzOnde histórias criam vida. Descubra agora