— Nojentinho esse príncipe da cocada preta, né? — resmungou Elena.
— Eu que o diga — concordou Hujo. — Pensei que a realeza era mais simpática... ou, pelo menos, fingia ser — estalou a língua, desapontado e indignado na mesma proporção. — Você deveria escolher melhor as suas amizades — aconselhou ele, voltando a atenção para Kai.
— Amizade? — Kai bufou. — Namrud não é amigo de ninguém, posso te garantir.
Eu ia morrer sem saber disso, ironizou Elena em pensamento.
— Ele te chamou pra um after na maior cara de pau! Assumi que fosse, no mínimo, seu amigo. — Hujo cruzou os braços, ainda incomodado com a petulância do príncipe.
— Não é — garantiu Kai, com uma rapidez impressionante e um tom mais ácido que o normal.
Hujo leu as entrelinhas do comportamento de Kai e compreendeu que havia uma história por trás de tamanha aversão. Por isso, deixou o assunto morrer. Afastou-se do colega de quarto, em mais uma raríssima demonstração de respeito à privacidade, e seguiu no encalço de Elena.
A terráquea desbravava as ruas. No rosto, a expressão de deslumbramento denunciava quão extasiada ela estava por finalmente conhecer o palco dos seus sonhos. Até mesmo a simplicidade dos conjuntos habitacionais, intercalados com as lojas e destoando delas feito intrusos, despertava seu interesse. Absorvia os detalhes dos arredores como se estes fossem tão preciosos quanto as pedras nobres das construções estatais.
Erdi tinha anacronismos nada sutis. Elementos modernos e obsoletos, quase medievais, misturavam-se nas construções e não se restringiam à arquitetura.
As roupas datadas traziam polímeros sintéticos na composição, tinham um aspecto de "novo velho", o que amenizava a estranheza dos gibões e vestidos longos — combinando com acessórios de cabeça — no presente. O burburinho do aerotrem, a percorrer os trilhos acima de si, a lembrava de quando tinha a sorte de pegar o metrô — uma invenção com mais de duzentos anos de idade — imediatamente após descer do ônibus no terminal de integração. E, baseando-se no encontro com o príncipe Namrud, supunha que a pior destas influências do passado fosse no modo de agir. Ser um príncipe egocêntrico e intragável voltou à moda.
Para saciar a curiosidade de Elena, desviaram-se da avenida principal e adentraram o verdadeiro coração do centro: o mercado municipal. Não se tratava de um estabelecimento propriamente dito. Era um conjunto de ruas e becos repletos de pontos comerciais cujos donos eram imigrantes.
Guiada pela intuição, a humana adentrou a rua Ketu — um conhecido território de vendas de produtos importados krelers —, o que muito agradou Hujo. Em seu "habitat natural" poderia aproveitar a oportunidade para se recordar de sua terra natal. Ainda alheio e evasivo, Kai não os seguiu quando tencionaram entrar em uma loja de eletrônicos. Em vez de entrar às pressas no lugar, saltitar e testar cada um dos aparelhos, ele disse "vou ali resolver um negócio e volto já" e se afastou com passadas largas. Ao dobrar a próxima esquina, sumiu do campo de visão dos colegas.
— Que bicho o mordeu? — Elena coçou a cabeça enquanto buscava sentido naquela "fuga" de Kai.
— Não faço ideia. Nunca o vi rejeitar coisas que ele adora. — Hujo meneou a cabeça. — Deve ser culpa daquele amiguinho dele, o príncipe. O Hayato é um dos maiores inimigos da diversão que eu conheço, ele sempre se irrita com qualquer provocação, mas hoje... Sei lá, Eleninha. Ele pareceu mais azedo que de costume.
— Pode ser isso mesmo. Aquele ali conseguiria azedar até a Madre Teresa.
— Quem?
— Esquece. — Elena driblou a pergunta.
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Planeta Luz
Science Fiction+16 | Completo | Um acontecimento inusitado leva Elena à maior aventura de sua pacata vida: uma jornada ao Planeta Luz. Perdida neste incrível mundo, ela precisa se encontrar em meio ao caos e lutar contra forças desconhecidas. A força de Elena Fern...